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domingo, 11 de setembro de 2011

Sobre não pensar em perigos inevitáveis

Há uma crença corrente de que, para enfrentar problemas e perigos, temos sempre que neles pensar. Isso é algo questionável.

Obviamente, em certas situações, pode ser útil raciocinar para encontrar a solução. Mas há situações em que a solução já foi encontrada ou é impossível e, ainda assim, nossa mente insiste em tentar imaginar soluções.

Se, mesmo sem ter (outra) solução para um problema, eu insisto em procurá-la, estou procurando algo inexistente. Tal insistência indica que não estou aceitando a realidade e indica, também, que não acredito que a solução, se existir, possa chegar por vias não racionais (ex. maçã de Newton e outras sincronicidades). A insistência teimosa em pensar em um problema, grave ou não, contra toda possibilidade de solução, assinala confiança cega e extrema na faculdade racional. Isso não significa, entretanto, que nunca se possa procurar soluções raciocinando e nem que sempre seja útil renunciar ao intelecto.

Vemos, então, que pensar às vezes é bom e às vezes é ruim.

Quando há um problema ou perigo onipotente, contra o qual é inútil lutar, a solução mais sábia é a aceitação. Porém, os centros emocional e intelectual reagem furiosamente e se debatem contra o inevitável. No fundo, está o Ego reacionando contra a realidade, por medos ou por desejos intensos. A mente é como um asno teimoso, que esperneia sem parar, e o centro emocional é como um elefante louco.

Se queremos que os centros intelectual e emocional se acalmem, temos que aprender primeiramente a não pensar nos perigos e problemas inevitáveis. Desviar o pensamento daquilo que nos ameaça é uma faculdade a ser obtida por meio do desenvolvimento da concentração.

Se me detenho pensando em um perigo inevitável, emoções negativas vão crescendo dentro de mim, fazendo o problema assumir um significado cada vez mais monstruoso.

Pensemos na morte (desencarnação), por exemplo. Se refletirmos um pouco, veremos que a morte, em si mesma, não é algo terrível, é simplesmente um processo natural a mais, ao lado do nascimento e do crescimento. Os animais e as plantas incessantemente morrem, as rochas, planetas, estrelas e galáxias são constantemente destruídos no céu. No entanto, nossa mente não aceita tal processo natural e luta para escapar. O motivo é o significado desesperador e monstruoso atribuído à morte, o qual é algo completamente psicológico, interior. O significado sombrio da morte é algo atribuído por nós e não existe por si mesmo, inerentemente ao processo de destruição. Em outras palavras: se nossa mente lhe atribuísse um significado oposto, todos teríamos pressa em morrer e seriam necessárias leis para impedir que as pessoas apressassem a morte.

Tememos a morte e sofremos ante sua aproximação porque nos condicionamos a nela pensar como algo ruim. E tal condicionamento está longe de ser mera questão de opção e livre arbítrio. Não tememos a morte porque queremos, a tememos porque estamos condicionados. Ainda que queiramos pensar nela de outro modo, os pensamentos sombrios voltam, pois são valores vivos e autônomos dentro de nós.

Se queremos ser capazes de enfrentar ameaças e perigos sem nos perturbarmos, temos que primeiramente aprender a não pensar neles, mesmo estando dentro e diante deles. E isso não se consegue pelo mero esforço intenso, mas pelo esforço estratégico correto e intenso. Não conseguirá esta capacidade aquele que simplesmente se expor ao perigo e tentar não pensar. Há que se conquistá-la gradualmente, dissolvendo todos os detalhes do medo que afloram no cotidiano. Toda dificuldade, perigo, ameaça tem que ser usada como ginásio psicológico para se estudar os detalhes e facetas do medo, da sensação de sentir-se vulnerável. Quem simplesmente se expõe a perigos e tenta nada pensar e nada sentir, está reprimindo o Ego e, cedo ou tarde, a corda irá arrebentar.

Seria muito interessante atingirmos um estado de serenidade como o do Buda diante das ameaças de Mara, mas isso não se consegue pelo mero esforço bruto. A serenidade dos mestres resulta de longo trabalho de Morte do Ego ao longo de toda a vida. Se quisermos este estado, teremos que trilhar este caminho.

Nós, pessoas normais, temos uma relativa e pequena capacidade de não pensar em problemas menores, menos ameaçadores. Se tivermos que enfrentar ameaças terríveis, podemos apelar aos seguintes recursos:

1) oração (conectando-nos às nossas Partes Internas obtemos força);
2) relaxamento (acalmando o centro motor, facilitamos a calmaria dos centros emocional e intelectual);
3) emoções superiores (colocando o centro emocional para trabalhar de forma oposta);
4) reflexão na dualidade (todo pensamento insistente possui um pensamento contrário que o anula);

Creio que os quatro pontos acima merecem maior aprofundamento, mas pretendo fazê-lo em outra oportunidade.

Até logo

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