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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Ego: o perigo de encarar a Medusa

Dedico este texto aos irmãos de todas as religiões que sempre lutaram para se libertar da luxúria e sofrem por terem fracassado. É para vocês que estou escrevendo agora.

Quero detalhar um erro que comumente cometemos em nossa incansável busca pela pureza da alma: o equívoco de enfrentar o inimigo do qual queremos nos libertar.

Enfrentar, literalmente, significa encarar de frente. Muitos acreditam que podem mirar os objetos de desejo e resistir ao seu poder hipnótico. A meu ver, trata-se de um grave equívoco que pode nos atrasar por anos ou décadas.

O Ego é a Medusa da mitologia: seu olhar petrifica. Se você o olha nos olhos, inevitavelmente se transformará em pedra. O que isso significa? Que não temos capacidade de afrontar o Ego em bruto, de contemplar suas emanações sem sermos afetados. Transformar-se em pedra significa adormecer a consciência. Olhar a Medusa nos olhos significa enfrentar e contemplar os objetos de desejo, estejam eles na mente ou no mundo exterior sensorial.

Na prática, encaramos os olhos da Medusa sempre que contemplamos algo desejável. Se fico me entretendo com imagens mentais de mulheres lindas e luxuriosas, estou olhando nos olhos do monstro. Se gasto meu tempo olhando para as mulheres ao meu redor, estarei fazendo o mesmo. Não importa se a imagem desejável está dentro, na mente, ou se está fora, no mundo físico: sempre que eu a olhar, estarei olhando nos olhos da Medusa e transformando percentuais livre de minha alma em pedra.

Portanto, contemplar imagens desejáveis, sob qualquer forma, é um primeiro erro. Quem contempla imagens desejáveis, está dando forças ao desejo, nutrindo-o e indo na contramão da Morte Mística.

Um segundo erro é não evitar situações facilitadoras das manifestações, crendo-se muito forte e resistente. Se determinada trilha terminará em uma possessão (obsessão por um desejo), por que segui-la? Tomar a dianteira ao Ego e evitar os caminhos equivocados da vida é uma eficiente forma de cortar-lhe o fornecimento de energia e enfraquecê-lo.

Mas, dirão vocês e com razão, evitar encarar a Medusa e evitar os caminhos que conduzem ao enfrentamento não é fugir do Ego? Eu direi: não! É apenas combatê-lo por outras alternativas, outros meios.

Sabe aqueles momentos em que o desejo está esquecido e não está atormentando? Aquele é o estado interior que deve ser preservado. Se verificarmos com cuidado nossas vidas, veremos que enveredamos por situações facilitadoras muito antes de sermos tomados por um desejo. Essas situações facilitadores, que antecedem a obsessão (às vezes por dias ou meses) são canais de alimentação por onde os defeitos recebem energia. Pequenos e sutis impulsos nos impeliram a enveredar por ali.

E onde entra a auto-observação nisso tudo? Na descoberta dos impulsos sutis que nos impelem a cair nas muitas situações facilitadoras e na descoberta dos muitos hábitos de contemplar os objetos de desejo. Muitas vezes, contemplamos objetos de desejo sem sequer nos darmos conta. A desculpa de "olhar sem identificação" é utópica e esfarrapada, quando se trata de defeitos poderosos como a luxúria. É uma justificativa (Pilatos) do defeito, um mecanismo de auto-engano.

Inconscientemente, a todo momento estamos mirando os olhos da Medusa e enveredando por trajetos de vida facilitadores da nutrição dos defeitos. Mediante a auto-observação, os vamos descobrindo e eliminando. Assim, nossa vida vai mudando.

Quem quer eliminar a luxúria não pode permitir que mulheres desejáveis estejam em sua mente e necessita impedir que entrem pelas portas da percepção. Mesmo que esteja no trato direto com elas, deve fazê-lo de modo a não percebê-las enquanto fêmeas desejáveis. Olhar e não desejar não é algo para mortais do lodo da terra.

Na verdade, se você quer realmente se libertar da luxúria, as mulheres desejáveis não devem existir para você, não devem sequer entrar em sua percepção, devem ser excluídas do seu mundo (não enquanto seres humanos, mas somente enquanto fêmeas desejáveis para o sexo). Não é possível ocupar-se com elas sem desejá-las.

O conhecimento e a experiência adquiridos com a morte da luxúria nos capacita a aplicá-lo na morte de outros defeitos igualmente poderosos. Depois da luxúria, um dos egos mais fortes é o do medo. Aquele que dissolveu a luxúria, saberá também dissolver o medo, o ódio etc.

Se determinada situação resultará em fornicação, adultério ou masturbação, é muito mais sensato evitá-la antecipadamente, mediante a Morte em Marcha, do que permitir que tome força em nossa vida. O impulso em ir rumo a determinada situação já é um detalhe ou faceta do desejo.

Na Morte do Ego, trabalhamos as causas ao invés de simplesmente remediarmos os efeitos. Remover as causas é ir além e antecipar-se ao desejo. Permitir que o desejo tome força para, simultaneamente ou depois, tentar enfraquecê-lo é um contra-senso, algo ilógico e absurdo.

A obsessão por um desejo resulta de uma sequência de fatos psicológicos que se desenrolam no tempo e começa a gestar-se muito antes de ser conscientemente percebida. Minutos ou horas antes de cometermos um ato luxurioso, sucederam-se livremente vários fatos psicológicos encadeados. A detecção e eliminação dos mesmos evitar os resultados desagradáveis. A Morte em Marcha interrompe a sequência de fatos crescentemente nefastos.

Quando nos deixamos arrastar pelos detalhes e enveredamos por uma situação facilitadora do desejo, não conseguimos nos livrar dos seus resultados nefastos. A identificação se instala e nossa alma é acorrentada, ainda que se debata.

Quem realmente começa a morrer para a luxúria, sente uma pureza específica que não quer perder, algo assim como um estado angelical. Evitando-se as situações nefastas que resultam em profunda identificação, podemos preservar este estado e, ao mesmo tempo, impedimos que os defeitos se alimentem.

Davi não mediu forças com Golias, não o enfrentou diretamente e nem lutou com o gigante. Davi evocou o poder de Deus e o atingiu no ponto fraco, certeiramente. Davi é a alma e Golias é o Ego, a soma dos nossos desejos. O ponto fraco do Ego são os impulsos sutis que nos impelem a enveredar por situações que resultam em identificação profunda. Tal ponto é a têmpora de Golias. Ali devemos atingir o gigante e derrubá-lo.

Se Davi houvesse tentado medir forças com Golias, teria fracassado. E se não houvesse evocado o Poder Superior, sua mão não teria sido guiada em direção ao ponto fraco do Gigante. O homem, sozinho, não pode dissolver o Ego jamais, necessita da atuação de uma força superior, não humana.