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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Abordando imparcialmente o lado tenebroso

Diante dos desejos e sentimentos proibidos, o primeiro impulso das pessoas é sufocá-los, na vã ilusão de se livrarem assim do incômodo. Por desconhecimento, costumamos acreditar que ignorar as emoções ou "fazer força para não sentir aquilo" eliminará o problema. A experiência mostra o contrário.
Qualquer grupo social possui suas proibições, suas regras de conduta. Nem todos os impulsos instintivos são aceitos e alguns são furiosamente condenados pela sociedade. Normalmente, as regras envolvem principalmente a questão sexual: os tabus sexuais costumam ser os mais radicais e rígidos. Em certos casos, quebrar tais tabus significa perder a vida, ser condenado à tortura e à morte.
Neste ínterim, é mais que natural que a maior parte dos desejos reprimidos (mas nem de longe todos) envolvam, de um modo ou de outro, a questão sexual. Os tabus sexuais são inúmeros e relacionam-se diretamente com uma série de sofrimentos emocionais.
Sendo assim, nos círculos gnósticos não poderia ser diferente, existem também as proibições, que possuem suas razões de ser e suas funções sociais, tendo surgido para o bem coletivo. Entretanto, como somos pessoas comuns, tomamos tais proibições inconscientemente e, identificados com e a partir delas, criamos ou reforçamos vários defeitos: culpas, medos, resistências. Não nos damos conta de que o ego se disfarça de virtudes e assume aparências santíssimas.
Movidos por tais enganos, muitos estudantes enveredaram pelo caminho da repressão dos desejos, acreditando que estavam trilhando o verdadeiro caminho da Morte. Acreditaram que, sufocando o que sentiam, estavam morrendo, e não se deram conta de que estavam tão somente polindo a personalidade e fortificando egos de resistência.
O problema não são as proibições, as quais possuem sua razão de ser. O problema é a forma como tomamos as proibições. Se determinada atitude é errada ou prejudicial, não devemos tomá-la. Mas isso não significa que devamos reprimir as emoções correspondentes (e nem que devamos cultivá-las ou estimulá-las).
Reprimir ou explodir? Segurar ou deixar a emoção tomar conta? Eis o dilema dos estudantes gnósticos. Deixar a emoção tomar conta, mantendo-se passivo e não fazendo nada, é o meio mais rápido para a auto-destruição. Viciar-se em entorpecer a vontade, deixando-se levar pela fascinação, é atirar-se de cabeça no precipício da loucura. Mas tentar reprimir é inútil e também perigoso. O que fazer então? Compreender!
No que se refere às proibições, temos que compreender ambos os lados do problema: tanto o impulso de "infringir a lei", como o impulso de obedecê-la. O impulso de acatar as proibições é um ego e o impulso de desobedecê-las é outro ego. Ambos são egos, são defeitos! Por isso diz o V.M.S. que devemos compreendê-los sem absolvê-los e nem condená-los, temos que simplesmente compreendê-los, sem julgamento moral algum, ainda que a moral tenha seu sentido e sua razão de ser na vida social.
Cada "eu" possui seu sentido, sua lógica própria inerente, seu significado. Tentar analisá-lo a partir de um preceito moral, ainda que gnóstico, é distorcer a análise, sabotar a própria compreensão. Uma moral religiosa qualquer, por mais imprescindível que seja, serve aos egos santarrões que se vestem com a túnica do Cristo.
Não fornicar, não adulterar, não xingar, não mentir, não roubar, não ferir o próximo são virtudes maravilhosas, mas deixar que o ego as comande é adormecer ainda mais a consciência e nutrir elementos psíquicos enganosos, que gostam de aparentar santidade, martírio, altruísmo. A moral é um produto do Ego e quem é moralista está longe de morrer.
Não será com repressões moralistas que se conseguirá a Morte. Quem quer a Morte de verdade, deve ser capaz de observar sem julgamento e sem resistências morais os pecados mais feios, vergonhosos e abomináveis. Deve-se observar e enxergar tais defeitos imparcialmente, sem culpas e nem auto-depreciações. Culpa e auto-depreciação são egos disfarçados de virtudes.
O V.M.S. fala de auto-crítica. A verdadeira crítica de si mesmo é imparcial. É tão grave desculpar e absolver os defeitos, quanto condená-los sem compreensão. Após a compreensão, haverá sempre a conclusão, espontânea e natural. É na conclusão que estarão os resultados da análise, do julgamento. A condenação de um defeito é posterior ao seu julgamento e não anterior, surge quando finalmente compreendemos que aquele desejo, que antes nos pareceu tão agradável e maravilhoso, não serve para nada além de prejudicar e destruir a nossa vida. Mas não chegaremos a tal compreensão se sabotarmos a própria observação ou análise de antemão.
Então, vejam que curioso: o moralismo religioso (gnóstico ou não), que tanto detesta e quer banir os desejos pecaminosos da alma, os preserva da Morte e nos impede de matá-los, pois não permite que os enxerguemos. O moralismo religioso é aliado dos pecados!
O conceito de pecado é faca de dois gumes: serve para orientar a conduta, mas pode também servir para criar "eus" que ficam atormentando o pecador com a culpa. Os atormentadores egos de culpa não são nada dignos e nem decentes, são meros defeitos disfarçados de virtudes, demônios interiores sabotadores da Morte.
A consciência possui um poder desinfectante e regulador que nos possibilita deixar que um desejo aflore sem que nos possua e nos domine. Para tanto, basta não nos identificarmos. Não precisamos temer a possessão. Se não nos identificamos com o desejo e o observamos, extrairemos dele a compreensão e podemos deixá-lo aflorar livremente sem nenhum problema. O que importa é aprender a separar-se do desejo, observá-lo de fora, como um elemento estranho. O que provoca a possessão não é o afloramento do desejo, mas sim a identificação. É a identificação que deve ser evitada e é nesse sentido que temos que nos disciplinar com rigor.
Tenho falado em análise, mas a simples auto-observação já é um processo analítico e amplia a compreensão progressivamente, dia após dia. A observação de si mesmo deve ser absolutamente livre de julgamentos morais. Se você tem desejos feios e condenáveis, dos quais se envergonha, observe-os sem julgamento moral, apenas tentando compreendê-los. Observe de forma imparcial e crítica até mesmo os impulsos de culpa, auto-depreciação, auto-condenação, moralismos etc. Que nada escape de vosso crivo analítico dissolvedor.
Suponhamos que você tenha um desejo bem ridículo, daqueles que todo mundo condenaria se soubesse, e que você o esconda com unhas e dentes do olhar de todos. Você o satisfaz em segredo, sem que ninguém veja, e se sente culpado, imprestável, inútil, condenável e não sei que mais. Pois bem, digo-lhe que tais sentimentos negativos, que conflitam com o desejo em questão, são emoções inferiores e não superiores, não são arrependimentos e não te livrarão desse pecado indesejável. Se quiser se livrar, terá que, antes de mais nada, ser capaz de observá-lo de forma imparcial. Só assim poderá começar a enxergar de fato o que é aquilo. Simplesmente condenar-se a priori é guiar-se pela moral convencional, a qual é inútil para quem quer ir além de si mesmo.
Veja bem: não estou afirmando que devamos gostar dos defeitos, cultivá-los ou alimentá-los. O que estou afirmando é que temos que ser capazes de observá-los sem preconceitos morais para compreendê-los, o que é totalmente diferente.
Quando um mestre desperto condena atitudes, desejos e sentimentos, o faz a posteriori, pois está expondo o resultado de suas experiências. O mestre sabe que a fornicação, por exemplo, é altamente prejudicial e expõe tal fato, de forma crua, clara e contundente. Mas isso não significa que você ou eu tenhamos compreendido verdadeiramente tais prejuízos. E se não os compreendemos, mas nos opomos a ela gratuitamente, estaremos simplesmente nos auto-enganando. Se você quer compreender os prejuízos da fornicação, observe-os em si mesmo, imparcialmente, e os verá. Quem observa a sua própria fornicação (e não a dos outros!) em suas múltiplas manifestações de forma realmente imparcial, inevitavelmente concluirá que é algo altamente prejudicial. Mas o mestre afirmou isso apenas para a sua informação e não para que você forjasse um problema e criasse um "eu" de culpa ou medo. A culpa não é dele e sim sua, pois foi você que criou mais um problema para a sua sofrida vida.
Comumente confundimos sentimentos negativos como culpa, medo e auto-condenação com o arrependimento. Achamos que temos que sentir culpa para nos arrependermos. Achamos até que a culpa vem de Deus! A prova de que estamos equivocados é que podemos sentir culpa por vários anos sem nos arrependermos do ato que nos faz sentir culpados, pois se realmente nos arrependêssemos, não tornaríamos a cometê-lo.
Então, aprendamos a tomar nossos pecados feios e vergonhosos tal como são, sem culpa e nem tampouco justificativas. Todos fizemos coisas feias ao longo da vida, nessa ou em outras existências, e não adianta nada identificar-se com isso e ficar se lamentando. O que importa é mudar, dar outra oitava na existência, elevar nosso nível de Ser. Os estudantes gnósticos são humanos e também possuem seus monstros no armário e não há nada demais nisso, a não ser o fato de ficarmos passivos e fugirmos do problema por toda a vida. Tudo bem, erramos, mas e daí?
Observe calmamente a sua podridão interior, com coragem. Veja toda a imundície, reconheça-a, mas sem parcialismos. Não seja contra e nem a favor de um pecado, simplesmente conheça-o. Eduque sua vontade nesse sentido.
Você não é só lixo, existem coisas boas dentro de você, ainda que você não esteja consciente delas. Então porque enveredar pelo caminho da auto-depreciação?
Uma coisa é achar que um defeito é maléfico; outra coisa é compreender de fato que um defeito é maléfico. Na Morte do Ego, não se "acha" nada, se compreende. Não se acredita que o Ego seja isso ou aquilo, se sabe, por experiência direta. Podemos acreditar ou supor que um comportamento seja bom ou ruim, pecaminoso ou virtuoso, mas isso não significa que tenhamos plena consciência disso.
Conscientizar-se não é acreditar, nem supor e nem "achar". Conscientizar-se é experienciar diretamente. Temos que experienciar os pecados tal como são e não o conseguiremos se qualquer crivo tendencioso, favorável ou desfavorável, estiver condicionando a observação.
Não tenha medo de enxergar a realidade dos seus desejos, é a verdade que te libertará. Vá até ela de braços abertos.
Por mais vergonhoso e reprovável que seja um defeito, temos que observá-lo e analisá-lo de forma imparcial, sem cair no desespero. Desesperar-se diante de um defeito ou pecado terrível é tornar-se incapaz de abordá-lo objetivamente. Se queremos a compreensão, temos que abordar os pecados objetivamente e se os queremos abordar objetivamente, temos que ser absolutamente imparciais, ainda que o comportamento a ser estudado esteja contra os princípios mais sagrados em que acreditamos. Somente a abordagem imparcial nos permitirá compreender de verdade todos os prejuízos do defeito. Ao contrário do que pode parecer, a condenação antecipada de um defeito é um mecanismo engenhoso para escondê-lo de nossa consciência. Quem condena um defeito antes de observá-lo e examiná-lo, está protegendo-o do julgamento objetivo e, portanto, da Morte. É assim que evitamos tomar consciência e nos recusamos a morrer de verdade.
Temos medo da condenação, medo do inferno, medo do que somos. Tais medos se devem a crenças negativas que forjamos sobre nós mesmos, a partir da experiência de vida. Temos que dissolvê-las. Se, por um lado, somos criaturas perigosas e imprestáveis, que se encontram em um estado horrível, por outro lado, temos muitas possibilidades e anelos. Temos um Ser Interior Profundo e Real, do qual emana tudo o que é divino em nós. Focarmos exclusivamente no que não presta é ignorá-lO. Temos que recordar que temos Deus conosco, se quisermos vencer a escuridão do pecado.


quarta-feira, 27 de abril de 2011

A disciplina e a vontade na aplicação do livre arbítrio interior

Quando descubro um detalhe comportamental indesejável e peço por sua morte, conquisto uma pequena porção de livre arbítrio. Se deixo de continuar realizando o ato correspondente a partir de então, estarei impedindo aquele detalhe de voltar à vida. Se torno a fazer a mesma coisa, estarei trazendo o defeito novamente à vida.
Somente à medida que conquistamos livre arbítrio interior podemos nos dar ao luxo de não mais fazer o que antes fazíamos. E somente conquistamos o livre arbítrio se o defeito (ou sua faceta) morrer. Deixar de fazer o que sempre se fez, sem compreender o quão prejudicial é aquilo, é adotar um procedimento repressivo, bloqueador. A verdadeira morte se dá paralelamente à aquisição de livre arbítrio interior. Se alguém tem muito vícios, deve continuar com eles e observá-los, ao invés de forçar uma mudança artificial do dia para a noite (pois de todas as maneiras, tal mudança será falsa, pois ninguém muda assim). Tais mudanças são meros fingimentos para si mesmos e para os outros, e não são duradouras. A verdadeira mudança vem com a compreensão.
Sorrir diante de quem nos irrita, estando interiormente cheio de ira e ódio, não é mudar. Tentar sufocar a raiva que se sente, segurando-a pela força, em bruto, não é mudar, e criar uma bomba relógio que explodirá cedo ou tarde, de uma forma ou de outra, seja sob a forma de um ataque de fúria, seja sob a forma de um ataque cardíaco, seja sob a forma de qualquer outra doença psicossomática.
Mudar superficialmente, por fora, é fingir. Virtudes fingidas e forçadas são mero cultivo da resistência. Queremos a transformação verdadeira e não a conseguimos por meio da resistência. Resistir aos desejos não é eliminá-los. Queremos a morte verdadeira, o enfraquecimento e a morte completos daquilo que nos perturba e nos tortura. Os recalques são procedimentos de mudança superficial, aparente. A verdadeira morte não é fingimento, não é repressão ou recalque. É realizada por uma parte superior do Ser (Mãe Divina) sobre o Eu. É isso o que buscamos.
Resistir ao Eu não é matá-lo. Observar o Eu sem identificação e pedir pela morte de cada faceta descoberta sim, provomerá a morte verdadeira.
Suprimir detalhes do comportamento antes da Morte é recalcá-los. Suprimi-los durante e depois da Morte é exercer o livre arbítrio conquistado.
O fato de não reprimirmos os desejos não significa que não iremos adotar firmes resoluções, vontade de aço e tenacidade de ferro em sentidos específicos; significa, isso sim, que os empregaremos na direção correta. No trabalho interior não deixamos as coisas à deriva e nem esperamos que tudo aconteça enquanto ficamos de braços cruzados.
O fato de não reprimirmos os desejos não significa que os mesmos atuarão livremente, se alimentando à vontade, sem que nada atue sobre os mesmos e os enfraqueça. A observação consciente lhes despotencia e a Mãe Divina os decapita.
A consciência tem um poder desinfectante sobre o psiquismo que substitui plenamente o mecanismo repressor.
A vontade de aço estará corretamente empregada se for aplicada no sentido de não reprimir mas, ao mesmo tempo, observar e pedir. A disciplina empregada para a repressão é prejudicial, mas a disciplina empregada para a compreensão é útil.
A disciplina para resistir é contrária ao auto-conhecimento. Necessitamos de uma disciplina favorável aos nossos interesses: disciplina rigorosa no sentido de permitir o livre afloramento dos conteúdos inconscientes, de não nos identificarmos com tais conteúdos, de observá-los com plena consciência e lucidez e orar pela dissolução de tais conteúdos.
No campo em que possuímos livre arbítrio interior (liberdade emocional do comportamento), temos toda a capacidade de NÃO FAZER algo, mas isso não significa que sempre devamos evitar fazer aquilo, tudo dependerá das circunstâncias. Se algo alimentar ou criar um defeito, não devemos realizá-lo, mas se for inofensivo e não reforçar em nós nada prejudicial, não há problema em realizá-lo. A consciência é o melhor guia.
Quando descobrimos um ato que alimentava um defeito e o eliminamos, dali para frente poderemos continuar a realizá-lo ou não, tudo dependerá do seguinte:
1. Se o ato prejudica a nós mesmos ou a outras pessoas;
2. Se o ato irá alimentar ou (re)criar defeitos.
A reflexão sincera (Reflexão Evidente do Ser) é que nos dá a orientação no momento e nos permite saber se devemos ou não continuar a realizar o ato. Certos atos podem e devem ser realizados após a morte do defeito correspondente, outros atos não.
Há atos que nutrem defeitos mas não podem ou não precisam ser suprimidos de nossa vida, mesmo após a dissolução dos Eus correspondentes. Neste caso, devemos passar a realizá-los conscientemente, pois então uma parte do Ser se ocupa em realizá-lo sem causar danos (ex. ser carinhoso com a esposa). Já outros atos, ao contrário, não podem permanecer em nossa natureza pois impossibilitam avanços posteriores e nos estancam (ex. frequentar prostíbulos, masturbar-se ou ver filmes pornográficos). Não nos orientamos pela moral, a moral nos é inútil. Nos orientamos pelo prejuízo: o que prejudica a nós ou aos demais, o que nutre ou cria defeitos, precisa ser retirado. Portanto, o livre arbítrio deve ser exercido com consciência.
Quando não se tem livre arbítrio e se é impelido a realizar um ato, o melhor a fazer é não reprimi-lo e separar-se do mesmo para observá-lo, ver-se em cena. Quando se conquista o livre arbítrio, porém, o ato deve ser realizado somente se não ocasionar nenhum prejuízo a ninguém.
Além disso, após compreendermos que determinada conduta é prejudicial e não nos traz benefício algum, não resta alternativa além de tomarmos a firme resolução de não a repetirmos mais e exercer tal resolução por meio da vontade poderosa e decidida. Aqui há um ponto importante a ser considerado.
Se, após o enfraquecimento ou eliminação de um ego, nos identificamos novamente com pensamentos correspondentes, iremos fortificá-lo ou recriá-lo. O mesmo valerá para os atos: atos que nutrem um defeito irão reforçá-lo ou recriá-lo após seu enfraquecimento ou eliminação. Se você enfraqueceu o poder da luxúria e em seguida começar assistir a filmes pornográficos, irá fortificá-la novamente. Se começar a pensar em sexo e fantasiar, o mesmo acontecerá. À medida que um defeito vai sofrendo enfraquecimento, temos que empregar a vontade libertada (livre arbítrio interior) para não fortificá-lo novamente ou perderemos todo o trabalho. Não nos interessa andar em círculos, enfraquecendo e fortificando os mesmos vícios eternamente, almejamos a liberdade interior definitiva.
Que ninguém suponha, portanto, que removemos os mecanismos repressivos para nos entregarmos à identificação, ao hedonismo, ao desenfreio, à satisfação dos desejos. Os removemos com o único intuito de observá-los e compreendê-los, nada mais.
Assim, não empregamos a vontade férrea para reprimir o ego, mas para observá-los de fora, sem identificação, para orar por sua morte e para, à medida que a conduta prejudicial se enfraquece, adotar novos comportamentos.
Toma a resolução firme de, por exemplo, não alimentar de modo algum a luxúria amanhã, durante todo o dia. Então você compreenderá que é capaz, terá comprovado seu poder e poderá tomar outras resoluções posteriores, cada vez mais rigorosas. Essa é a disciplina correta, que não é voltada para o cultivo das resistências e recalques.
É importante aplicar e exercitar a vontade para que saibamos quais são nossas verdadeiras capacidades. Temos capacidades que ignoramos, somos capazes, por exemplo, de praticar a magia sexual corretamente por certo tempo, de praticar a concentração em um copo com água por vários dias sem falhar, de cortarmos toda a alimentação de um certo defeito por um determinado número de dias, mas não o fazemos por desconhecer tais capacidades. Temos que traçar nossa própria disciplina já, sem esperar para depois. É claro que a disciplina traçada tem que manter-se dentro de nossas capacidades. Seria absurdo traçar uma disciplina que não suportamos. À medida que nos acostumamos, podemos ir "apertando os parafusos", gradualmente. A disciplina é elaborada pela própria pessoa, por nós mesmos, e não por outros. Não fiquemos perdendo o tempo, esperando que algum mestre nos diga o que fazer ou que disciplina traçar. Tracemos nossa própria disciplina e a tornemos cada vez mais severa.

domingo, 17 de abril de 2011

Arrependimento e culpa

Há uma diferença entre o verdadeiro arrependimento e a culpa (arrependimento subjetivo).

A culpa nada tem a ver com o verdadeiro arrependimento. Aquele que se culpa não está verdadeiramente arrependido, está somente preocupado consigo mesmo. A culpa é simplesmente um defeito a mais.

Sentir-se culpado não é arrepender-se. Os egos da culpa criam terríveis problemas emocionais.

Arrepender-se verdadeiramente é abandonar definitivamente algo que se fez, nunca mais querer voltar àquilo. Sentir-se culpado é simplesmente sentir-se receoso ou triste pelas consequências negativas e destrutivas que possam recair sobre nós, a partir de atos que nós mesmos provocamos.

A culpa é uma forma subjetiva de arrependimento. Os danos do arrependimento subjetivo podem ser vários. Veja esta matéria:


Muitos estudantes gnósticos confundiram o arrependimento subjetivo (culpa) com o arrependimento objetivo e verdadeiro. O arrependimento objetivo resulta da compreensão profunda do que se faz, enquanto o arrependimento subjetivo é, no fundo, mero impulso de auto-preservação.

À medida que morremos, o arrependimento verdadeiro vai surgindo, até o dia em que negamos totalmente a nós mesmos. Então, deixamos os velhos costumes, não por temor das consequências, mas por compreendermos que realmente não serviam para nada e só atrapalhavam a nossa vida e a dos demais.

Não confundamos, então, a culpa com o arrependimento.

De nada adianta culpar-se por não ter se transformado em um Buda após vinte ou trinta anos de trabalho. Tal sentimento de culpa não mudará a situação para melhor (embora possa causar doenças). Ao invés de sofrermos com sentimentos de culpa, melhor é sermos sérios daqui para frente, dissolver os egos de culpa, praticar todos os dias e esquecer o tempo, colhendo os resultados no final da existência.



quinta-feira, 14 de abril de 2011

Buscando o sublime através da meditação

Durante a meditação, deixamos para trás tudo o que é denso: corpo físico, corpo etérico, corpos astral e mental, pensamentos, sentimentos, recordações. Nos dissociamos dos elementos que nos prendem à realidade temporal, ao mundo relativístico. Buscamos aquilo que é sublime, divino, superior, elevado, leve, divino.

O desligamento se inicia com o relaxamento, prossegue com a concentração e se realiza na meditação, mas pode prosseguir e se aprofundar a niveis inimagináveis. Não há limites na viagem da alma em busca da leveza.

O trabalho de meditar é o trabalho de dissociar completamente a consciência da mente, do corpo físico, dos sentimentos e dos elementos externos.

Na verdade, nos desligamos de tudo para experimentar aquilo que nunca antes experimentamos e que não pode ser descrito e nem imaginado. Qualquer tentativa de se imaginar o que se poderia experimentar fracassa e pode até sabotar a meditação caso se converta em guia do que deveríamos fazer. A experiência da meditação é a experiência do desconhecido.

O esforço que se faz na meditação pode ser qualificado como um esforço negativo. Um esforço negativo é um esforço menor que zero. Todo o empenho é no sentido de se atingir o esquecimento e a despreocupação totais. Meditar é uma forma de dormir e semelhante a morrer (embora não seja a mesma coisa que morrer).

Quem pressupõe um caminho ou meio, através do qual deva se esforçar para meditar, está se sabotando antes de iniciar a prática. Pressupostos sobre a meditação a travam de antemão.

Quanto tempo dedicar às práticas?

A frequência ideal para as práticas de meditação é o maior número de vezes possível durante o dia. Entretanto, todas as práticas devem ser feitas sem esforço (sem forçar-se). A pessoa deve se sentir bem, e não mal, ao fazer as práticas. A leve dor de cabeça, característica do esforço mental, não pode ser sentida.

Uma sugestão minha: em vigília, reparta o seu tempo entre a meditação e a dedicação ao ginásio psicológico (morte em marcha), dedicando 50% do tempo a cada uma.

Alterne as práticas ao longo do dia, isso significa: alterne períodos de atividade contemplativa (meditação) com períodos de atividade corporal (morte em marcha, luta do dia a dia).

Se dedicarmos a metade do nosso tempo à meditação (e práticas afins) e a outra metade à morte em marcha (e práticas afins), reproduziremos o mesmo comportamento em astral, à noite.

O tempo de duração de cada prática de meditação depende do desenvolvimento de cada pessoa. Iniciantes praticam por poucos minutos, várias vezes ao dia, enquanto as sessões de práticas de veteranos são mais demoradas. De todas as maneiras, qualquer praticante assíduo, iniciante ou não, praticará várias vezes ao dia e não somente uma vez.

O conteúdo dos pensamentos

Cada pensamento possui um conteúdo. O conteúdo de um pensamento é a informação que ele traz. Exemplo: se penso em uma casa com uma mulher na janela, este é o conteúdo do meu pensamento.

O conteúdo de cada pensamento corresponde a uma faceta do ego que o emite. Os egos usam o centro intelectual para emitir mútiplos pensamentos.

A esmagadora maioria dos pensamentos são inúteis, meros desperdícios de energia intelectual, e não servem para nada.

Usar nossa pequena margem de livre arbítrio intelectual para parar de pensar é o primeiro passo. Observar e pedir a morte dos pensamentos que fogem ao alcance deste livre arbítrio é o segundo passo.

Então, fazemos duas coisas: pedimos a morte dos pensamentos existentes e, mediante o exercício da vontade, deixamos de recriá-los ou de criar novos pensamentos.

A auto-observação revela o conteúdo de cada pensamento e permite verificar o avanço na morte do defeito correspondente.

Pensamentos são manifestações do Ego no centro intelectual.

Quando nos propomos a eliminar um ego, o primeiro a fazer é não ocupar nossa mente com os objetos de sua libido (desejos, medos, sofrimentos etc.). Se ocuparmos nossa mente com os pensamentos emitidos pelo Ego, o fortificaremos e jamais o eliminaremos. A verdadeira morte é o enfraquecimento progressivo, até o definhamento e morte totais (decapitação). Morte é esquecimento.

A vigilância no sentido de não reprimir e nem deixar de pedir pela morte da faceta expressa no pensamento deve ser rigorosa. Temos que encontrar um ponto interno de equilíbrio, onde não reprimimos os pensamentos, mas também não deixamos que passem sem serem queimados pela Mãe Divina. Não os reprimimos, mas não deixamos de pedir à Mãe Divina que os mate. Aí está o rigor da disciplina mortal e não repressora.

Neste ponto de equilíbro, não emitimos nenhum pensamento voluntariamente, mas pedimos a Morte para todos os pensamentos involuntários que nos assaltam, sem nos preocuparmos em reprimir estes últimos e nem tampouco alimentá-los pela identificação.

Alimentar um pensamento pela identificação e pedir por sua morte é um contra-senso. Alimentar um pensamento pela identificação e tentar reprimi-lo também é um contra-senso. O correto é não reprimir e nem estimular, mantendo-nos fora desta dualidade.

Existem pensamentos voluntários e involuntários. Os voluntários são aqueles que podemos deixar de emitir por um simples esforço de vontade. Os involuntários são aqueles que não nos deixam, mesmo quando tentamos expulsá-los de nosssa mente (ex. música que toca na cabeça por vários dias).

Na correta prática da morte, não emitimos voluntariamente os pensamentos e não deixamos que os pensamentos que nos invadem involuntariamente passem sem serem mortos pela Divina Mãe.

Na correta prática da morte, não procuramos os pensamentos: os esquecemos e nos ocupamos com nossas tarefas cotidianas. No entanto, não deixamos que passem por nossa mente sem serem afetados pelo fogo da Mãe Interna. Por isso nossa meta é a observação e a oração.

Procurar os pensamentos é evocá-los, atraí-los e criá-los, motivo pelo qual não os procuramos. Mas não deixamos de percebê-los quando chegam sem terem sido chamados e, nesse caso, imediatamente pedimos pela morte.

Os pensamentos devem morrer porque não são o Ser e obstaculizam o Ser. Somente o Ser (ou Essência) deve ser admitido em nós.

Quem se deixa fascinar pelos pensamentos, confunde-os com a Essência, alimenta os egos que os emitiram e se torna incapaz de observá-los . A mente deve sempre ser vista como um elemento estranho, como algo distinto do Ser.

Buscamos o Ser Verdadeiro, nosso Espírito Divino, que é o que temos de melhor e mais decente. Então, não cultivemos o Ego, apressemos sua morte e o Ser resplandecerá. O Real Ser é Deus em nós.

O conhecimento do coração

Existe uma sabedoria do intelecto, que pertence à cabeça, e existe uma sabedoria do coração.

A sabedoria da cabeça vincula-se ao pensar, o qual, por sua vez, vincula-se ao sensorial: a lógica do intelecto é dada pelos sentidos comuns.

A sabedoria do coração vincula-se a um sentir específico. Sua lógica é de tipo interno e se fundamenta no supra-sensorial.

A emoção também é veículo de conhecimento. O mundo das emoções que podem ser experimentadas é infinito e corresponde a todo um universo a ser conhecido.

Podemos conhecer um objeto a partir das sensações físicas que o mesmo nos proporciona e a partir das sensações internas que provoca.

Um objeto qualquer do mundo provoca em nós sensações internas e a percepção consciente das mesmas constitui uma forma de conhecimento. Esse é o conhecimento do coração.

O conhecimento do coração é o conhecimento das sensações interiores.

O mundo inteiro, com todos os seus objetos físicos exteriores, toca o homem psiquicamente, de forma análoga à que o toca com suas vibrações físicas. A luz refletida por um pássaro afeta a retina, o som produzido por seu canto, afeta seus ouvidos. Mas há algo além: a imagem, o canto, a presença do pássaro provoca em nós uma reação psíquica: emoções de variados tipos, recordações, imagens mentais etc. O pássaro também nos atinge interiormente.

A principal forma de sermos atingidos interiormente por algo é a emocional.

Se nosso sentido de auto-observação fosse desenvolvido, veríamos uma gama imensa de emoções oriundas dos objetos que nos rodeiam. Estaríamos captando o aspecto astral do mundo e adquirindo o conhecimento do coração.

Quando as percepções emocionais se tornam conscientes e objetivas, desenvolvemos a faculdade da intuição, que é o mesmo conhecimento do coração, aprimorado e treinado. O intuitivo lê o mundo com o centro emocional.

Quem tem o ego desenvolvido não pode ter conhecimento intuitivo porque suas emoções são desordenadas, caóticas e subjetivas.

Se quisermos entrar nos mundos espirituais, temos que desenvolver a emoção. As emoções inferiores caotizam e desordenam a percepção interior.

Todo ser humano possui um pouco de intuição que pode ser exercitada e desenvolvida, desde que se saiba o caminho.

Não há limite para o desenvolvimento do conhecimento do coração. A capacidade de discernir objetivamente as emoções que sentimos pode ser aprimorada até níveis inimagináveis, revelando o que ao intelecto se mantém oculto.

À medida que o Ego morre, as emoções não deixam de existir: se tornam mais e mais objetivas, correspondendo-se com a realidade.

Não temos que nos tornar seres frios e sem emoção, temos que eliminar as emoções inferiores e desenvolver as emoções superiores.

Aqueles que supõem não existir relação alguma entre a emoção e a realidade estão enganados. A realidade não pode ser capturada objetivamente na frieza porque a emoção é, ela própria, uma parte da realidade. A emoção humana é parte do aspecto emocional do universo.

A realidade não é constituída somente por vibrações sonoras, luminosas e de outros tipos.

Existem também as vibrações psíquicas (emocionais e mentais, entre outras não compreensíveis ao intelecto materialista), as quais fazem parte da realidade e são requeridas para uma compreensão mais profunda do todo no qual estamos inseridos.

A frieza do intelecto, que exclui a emoção, não pode penetrar no aspecto mais profundo do universo. Pode ser útil para a compreensão da secção sensorial do mundo, mas se torna desorientante quando aplicada à tentativa de se ir além, como vemos nos casos dos cientistas que tentam penetrar o mundo subatômico sem renunciar ao paradigma sensorialista.

A Essência e o Ser

A Essência do ser humano é sua própria alma.

Em estado original, a alma é pura e perfeita. Quando se identifica com a matéria, cria desejos e se corrompe.

A Essência é o que há de espiritual encarnado no homem. O Espírito Divino não está encarnado, senão parcialmente. Apenas uma fração ínfima do Espírito está encarnada nas pessoas comuns: a essa pequena parte do Espírito, encarnada no ser humano, chamamos de Essência.

O Espírito Divino é o Real Ser, o qual não pode encarnar totalmente devido ao obstáculo do Ego. Quando o Ego morre, o Ser toma posse do seu veículo.

Além da Essência, o Espírito possui outras partes autônomas, que atuam de forma independente em outros universos.

Cultivar a Essência é abrir caminho para o Espírito. O choque da recordação de si é a primeira forma de cultivar e alimentar a alma.

Embora encarnada, nem sempre a Essência está no corpo físico, muitas vezes ela viaja, adormecida, para outros mundos, enquanto muitos egos usam o seu veículo para cometer diabruras.

Recordação de si e observação são as primeiras formas de exercitá-la e desenvolvê-la.

A alma que não se recorda de si, se fascina e se confunde com os egos, gozando e sofrendo suas dores e euforias.

A alma que se recorda de si abre caminho ao Ser.

O Espírito está além da Essência, mas vela por ela e a auxilia desde os universos divinos mais distantes, acompanhando seu desenvolvimento. A alma é um membro do Espírito, uma fagulha ou emanação. Assim como o Espírito emana da Grande Realidade Única (o Deus Uno), a Essência ou alma emana do Espírito ou Real Ser.

O Real Ser possui várias emanações, sendo uma delas a nossa Essência, pura e primordial. Outras emanações são: a Mãe Divina, o Cristo Interior, o Íntimo e outras mais. O todo, a soma de todas as emanações constituem o Real Ser.

Quando cometemos algo errado, prejudicando alguém, estamos agredindo e ferindo a nós mesmos, ao nosso Ser. Quem pratica o mal está se auto-agredindo, auto-apunhalando e se auto-assassinando.

Nosso veículo físico deve ser entregue ao seu verdadeiro e legítimo dono: o Real Ser. Temos que buscar, amar e nos vincular ao que verdadeiramente somos e não ceder nosso veículo a elementos estranhos, invasores que unicamente roubam suas energias e o destroem. Os egos, sejam nossos ou de outras pessoas, são mercadores do templo que precisam ser expulsos com o chicote.

Recordar-se do Ser

Recordar-se do Ser é dar-se conta do que se possui de nobre e digno dentro de si, é lembrar-se desta parte superior e sublime, evocá-La e manter-se unido a Ela. Isso é recordar-se de si mesmo.
A parte boa do homem vem de Deus, portanto, recordar-se do Ser é recordar-se de Deus.
Todos os impulsos bons, superiores e sublimes vêm do Ser e os impulos maus, inferiores e degradantes vêm do Ego. Aquilo que nos prejudica ou prejudica os demais não provém do Ser. É assim que os diferenciamos.
Recordar-se de si é recordar-se do Ser em nós (a Essência), diferenciando-se do Ego. Quem se recorda de si mesmo, se diferencia do Ego e se dissocia de tudo o que não seja o Ser. Então compreende que o corpo físico, as emoções, os pensamentos, as lembranças, as dores, os sofrimentos, as alegrias, os temores, os sentimentos variados, a mente etc. não são o Ser, pois o Ser está além de tudo isso. É assim que adquirimos o pré-requisito para observar o Ego em ação.
Quem não se recorda de si, fascina-se e identifica-se com aquilo que deveria observar, tornando-se cego para si mesmo. Não é possível observar algo com o qual estamos identificados, algo que consideramos ser indistinto de nós mesmos. Se quisermos observar o Ego, temos primeiramente que abordá-lo como um elemento estranho, alheio. Recordemos o exemplo da tábua, dado pelo V.M.S.
Se estivermos sentados sobre uma tábua, não poderemos estudá-la. Para examiná-la, temos primeiramente que nos separarmos, sair de cima da tábua para, então, levantá-la, tomá-la nas mãos e examiná-la. O mesmo sucede com as manifestações dos egos em todos os centros da máquina humana.
Se tomarmos nossos funcionalismos como se fossem partes do nosso Verdadeiro Ser, não poderemos tomar a distância necessária para observá-los criticamente e objetivamente, pois os teremos demasiadamente unidos a nós mesmos. Há que se tomar uma certa distância do Ego para vê-lo em ação. Que Ego é esse? Aquele que responde "Eu!" quando batemos em uma porta e nos indagam "Quem é?"
Esse "Eu" que tanto amamos e que sentimos equivocadamente que somos nós de verdade é que deve morrer. Esse "Eu" que nos desperta tanta piedade, do qual gostamos muito e que sente que deseja, que pensa, que faz e acontece. Esse é o "Eu" que tem que morrer pelas mãos da Mãe Divina, seja aqui ou no abismo. É melhor que seja agora. Se não colaborarmos com Ela, Ela o matará da mesma maneira, porém contra a nossa vontade, no Inferno.
Tal "Eu", que não é o Ser, é múltiplo e não único como nos parece. Quando nos recordamos de nós mesmos, nos dissociamos do Ego e torna-se possível observá-lo, examiná-lo, compreendê-lo e entregá-lo à Morte.
À medida que o Ego morre, o verdadeiro em nós surge, nasce.
A recordação de si é um pré-requisito para a auto-observação. Recordar-se de si mesmo não é somente diferenciar-se do não-ser, é também abrir-se às influências do que há de mais elevado, digno e superior dentro de nós mesmos, é tornar-se veículo do Homem Verdadeiro que aguarda em nosso interior.

Concentração e esforço

Primeiramente, vamos dissociar totalmente a concentração do esforço. Concentração é atenção pura e/ou pensamento direcionado, sem esforços (1).

Agora, vamos diferenciar a concentração da atenção e a concentração do pensamento. Há uma diferença entre ambos.

Concentrar a atenção é algo sensorial, está relacionado à percepção (embora possa também ser algo supra-sensorial). Se percebo algo de forma prolongada e contínua, estou com a atenção concentrada sobre aquilo. Concentrar o pensamento é algo mental: trata-se de fazer com que o fluxo da mente, normalmente aleatório e subjetivo, assuma uma forma unidirecional, ou seja, volte-se para um único tema ou objeto. Se penso tudo o que sou capaz de pensar sobre uma vela e o faço de forma plena, espontânea e natural, estou mentalmente concentrado nessa vela.

A concentração do pensamento depende da concentração da atenção pois, durante a concentração mental, os pensamentos sobre o lakshya são o objeto da atenção. Concentrar a atenção é algo que vem primeiro, concentrar o pensamento é algo que vem depois e demora um pouco mais para ser aprendido. Em ambos os casos, deve haver descontração progressiva e não contração.

Se estou prestando atenção, com os olhos abertos, nos detalhes anatômicos de uma planta, estou com a atenção concentrada, recebendo sensorialmente suas características. Se começo a refletir sobre a planta, estou com a mente concentrada na planta (pensamento único). A reflexão sobre a planta exige o recurso da imaginação, que é uma forma assumida pela mente. Quando fecho os olhos, imagino e reflito sobre a planta, sem me desviar para outros temas, estou percebendo os conteúdos imaginativos supra-sensorialmente e não de forma meramente sensorial. Se, mesmo com os olhos abertos, obtenho insights e revelações sobre a planta na qual estou prestando atenção, estarei concentrado mentalmente nela.

Portanto, podemos passar da mera concentração da atenção em um objeto exterior para a concentração do pensamento sobre o mesmo objeto, isto é, podemos passar do mero ato de perceber o objeto com os olhos físicos para o ato de pensar de forma profunda e objetiva naquele mesmo objeto. Podemos também realizar as duas coisas simultaneamente: ver o objeto e refletir nele enquanto continuamos a vê-lo. Podemos, ainda, somente refletir no objeto com os olhos fechados, sem percebê-lo com os olhos físicos.

Quando contemplamos o objeto com os olhos físicos, o estamos recebendo sensorialmente. Quando refletimos no objeto com os olhos fechados, estamos capturando supra-sensorialmente imagens que criamos a respeito e imagens que não criamos a respeito, mas que foram criadas pela própria natureza. Estas últimas correspondem à contra-parte supra-sensível do objeto. À medida que abandonamos as imagens que criamos, vamos acessando as imagens que a natureza criou e nos aproximando da essência supra-sensível do objeto que nos interessa.  Logo, todo objeto possui uma parte sensível e uma contra-parte supra-sensível. A parte sensível é acessível sensorialmente (aos olhos físicos). A parte supra-sensível é acessível supra-sensorialmente (aos sentidos internos). A alma possui sentidos. A visão espiritual é um dos sentidos da alma e seu princípio é a imaginação humana. A faculdade imaginativa é a visão espiritual atrofiada e que pode ser desenvolvida.

O excessivo materialismo atrofiou a visão espiritual da humanidade e por isso vivemos aprisionados na sensorialidade, no mundo físico.

A concentração e a meditação desenvolvem a imaginação até o ponto de transformá-la em uma visão espiritual perfeita, pela ativação e exercício constante dos chakras. Também desenvolve a emoção superior até o ponto de transformá-la em intuição. Mas, para serem executadas corretamente, requerem que sejam praticadas na ausência de conflitos, tensões, contrações, preocupações e esforços.

Se aprofundarmos o relaxamento, libertando-nos das múltiplas desatenções(2), que são forças que nos prendem, e permitirmos que a atenção pura se instale em um alvo único, cairemos na concentração.

A ansiedade por concentrar-se é um paradoxo contra-producente: quanto mais ansiosos estivermos por nos concentrar, menos focada estará a atenção.

A atenção contínua e direcionada é observação. Concentrar-se é observar algo conscientemente. Pode-se observar um objeto estático ou móvel, mutável. Também pode-se observar um objeto físico ou psíquico (mental). Um pensamento é um objeto que pode ser observado.

Uma verdadeira observação nunca é ansiosa e nem tensa. A tensão e a ansiedade nos impedem de ver o objeto que queremos. Aquele que tenta observar ansiosamente um objeto, vê somente sua própria ansiedade e não o objeto que almeja ver. O esforço, a tensão e a ansiedade se interpõem entre o observador e o objeto da concentração, quando o primeiro faz esforços por concentrar-se.

Concentrar-se é somente acompanhar algo conscientemente, como quando se presta atenção em um lindo quadro. Quando prestamos atenção a algo que nos interessa, estamos concentrados ali. Exemplos banais, porém verdadeiros de atenção direcionada: um ladrão concentrado em abrir um cadeado sem fazer barulho, um homem contemplando luxuriosamente o corpo de uma bela mulher.

Se podemos usar a concentração para fazer coisas ruins, por que não usá-la para fazer coisas boas, que nos elevem espiritualmente? E se fazemos isso inconscientemente o tempo todo, por que não fazê-lo conscientemente?

A observação de um objeto estático, fixo, causa confusão aos principiantes. O que é observar verdadeiramente um objeto fixo? É observar tudo o que faça parte dele, que lhe seja intrínseco, que exista ou se processe nele, dentro dele e não fora dele. Não é observar outras coisas, distintas do objeto, ainda que tais coisas se relacionem ao mesmo. E quando todas as características, traços, processos etc. que se dão no interior do objeto se esgotam? Temos que passar a um nível imaginativo e prosseguir, observando agora a imagem interior que criamos do mesmo objeto. Então podemos dar continuidade á exploração: explorar o objeto por dentro, seus átomos e tudo o que for possível. Até que ponto? Até o ponto em que se possa dizer que se tem um único pensamento. O objetivo da concentração é alcançar o pensamento único. Então, descarta-se esse pensamento único.

O que é um pensamento único? Um pensamento a respeito de um único objeto. O pensamento único não é estático, é dinâmico, porém focalizado, direcionado e dirigido. Ele se altera, porém sempre dentro do mesmo elemento ou tema.

O esforço tenta travar o pensamento, tenta congelá-lo. Ao tentar travá-lo, impede que flua e sabota o desenvolvimento da concentração.

Concentrar-se é contemplar ininterruptamente. Contemplar não é fazer força, é ser receptivo. Ser receptivo é "dar-se conta" de algo, daquilo que nos interessa. Nada disso se relaciona a qualquer tipo de tensão.
Quando algo nos interessa, nos tornamos receptivos àquilo.

A atenção pura prescinde de qualquer tipo de tensão. Atenção e tensão são completamente distintos e não apresentam interdependência. A pessoa tensa não está mais atenta que a pessoa relaxada. Estar atento não é estar ansioso, é simplesmente estar receptivo, contemplativo.

Quando se diz que devemos nos manter concentrados, está-se dizendo simplesmente isso: que devemos nos manter contemplativos, que temos que aprender a contemplar algo de forma prolongada e sem interrupções.

O ato psicológico de tornar-se receptivo a algo não é um ato de esforço, é um ato de entrega. Aquele que se torna receptivo ao objeto de sua concentração entrega-se, acaba-se, desaparece no objeto, conscientemente.

Entregar-se conscientemente à concentração, manter-se lúcido, é algo que exige dedicação, exercício. O iniciante se perde, faz força, tensiona o entrecenho e cria conflitos com sua mente. Quando aprendemos a nos concentrarmos de fato, compreendemos que a concentração é um prolongamento do relaxamento e muito semelhante a este.

A quietude da mente, seja na concentração ou na meditação, não é algo forçado:

"Contudo, não devemos auto-enganar-nos e confundir gato com lebre. O Eu também ambiciona e cobiça esses silêncios e até os fabrica para si mesmo artificialmente.
Durante a meditação profunda necessitamos de quietude e silêncio total da mente, mas não necessitamos dessa quietude e desse silêncio falsos, fabricados pelo Eu. Não devemos esquecer que o Diabo rezando missa pode enganar às pessoas mais astutas.
É lógico dizer que se queremos silenciar a mente à força, na marra, se queremos aquietá-la torturando-a e amarrando-a, motivados pela cobiça de experimentar o Ser, o Íntimo, só conseguiremos silêncios artificiais e quietudes arbitrárias produzidas pelo Eu."

(V.M. Samael Aun Weor, Música, Meditação e Iluminação. Cap. 9)

Portanto, o silêncio mental na meditação é algo que nos advém quando aprendemos a provocá-lo e não algo que impomos.

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Suponhamos que eu queira me concentrar em uma cachoeira, na ausência desta.

Fecharei meus olhos e a verei com a imaginação (que é o princípio da clarividência). Sem necessidade de analisar intelectualmente e sequer de utilizar um idioma internalizado, começo a me dar conta de muitas características desta cachoeira.

A imagem da cachoeira possui muitas características: o fluxo da água, o som da queda, as espumas, os reflexos luminosos, as rochas, liquens e musgos etc. Conforme vou prosseguindo na concentração, vou me tornando consciente de tais características e de muitas outras.

Não faço esforço algum, somente contemplo e observo a imagem, tomando consciência de seus detalhes. Não existe tensão, apenas contemplação.

Nada mais existe para mim, somente a cachoeira. Me desligo do resto do mundo. Estou no presente, penetro e me perco completamente no agora, me entrego à prática.

No início, a imagem da cachoeira é algo vago e distante, "apenas imaginação". Porém, se o desligamento do mundo for realmente profundo, a cachoeira se torna mais e mais vívida, até adquirir um impacto realístico idêntico ou maior que o proporcionado por uma cachoeira física aos meus olhos. É assim que se exercita e desenvolve o sentido da clarividência.

Quando um objeto quaLquer fere os nossos sentidos físicos, nos atinge também supra-sensorialmente, apesar de não termos consciência de tal fato. Os objetos são multidimensionais. Todas as cachoeiras que vi em minha vida me atingiram a alma não só sensorialmente, mas também supra-sensorialmente, o que significa que possuo dentro de mim muito mais informação sobre as cachoeiras do que suponho. Possuo conhecimentos inconscientes sobre a cachoeira e, ao me concentrar, trago tal conhecimento à tona e o torno consciente.

Portanto, concentrar-se é extrair informações sobre o objeto que nos está interessando. A classe de conhecimento que adquirimos com a concentração é interior e não exterior. O que pouca gente sabe é que a via interior do conhecimento nos fornece informações não somente sobre nós mesmos, mas também sobre elementos do mundo exterior. Temos, dentro de nós, conhecimentos sobre os oceanos, as rochas, as plantas, os animais, os planetas. Temos que aprender e extraí-los.

Nota:

(1) a palavra "esforço" e usada aqui como sinônimo de tensão/contração e não de um empenho dedicado a algo.

(2) que são atenções no que não interessa.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O livre arbítrio na Morte do Ego

O livre arbítrio é a capacidade de decidirmos consciente e voluntariamente o que faremos e as situações pelas quais passaremos. Ter livre arbitrio é ter o poder de decidir e conduzir.
O livre arbítrio pode ser considerado do ponto de vista exterior ou interior. De um ponto de vista exterior, temos livre arbítrio para falar, andar e atuar. Porém, quando consideramos a questão do ponto de vista interior, nos damos conta de que não temos liberdade para comandar os processos interiores que resultam no comportamento exterior e visível.
Normalmente, temos apenas uma pequeníssima margem de livre arbítrio interior (comparável à mobilidade de um violino dentro do seu estojo). A grande maioria dos processos emocionais e mentais não obedecem ao comando consciente. Nossos processos interiores se sucedem sem que tenhamos o poder de decidir a respeito.
Schopenhauer esclarece bem esse aspecto em sua obra "O Livre Arbítrio". Não temos o poder de deixar de desejar algo simplesmente por um esforço de vontade. Como os psicólogos demonstraram muito bem, os impulsos volitivos não deixam de existir quando são recalcados. Os desejos, sentimentos, emoções, pensamentos e lembranças estão lá, em nosso interior, e se processam de forma autônoma, não nos obedecem. Desejamos ou sentimos o que não gostaríamos de desejar ou sentir. Quando tentamos silenciar a mente, os pensamentos prosseguem, independentes e por si mesmos. Conclusão: o psiquismo humano é rebelde, não se submete aos nossos ditames, não temos o livre arbítrio que imaginamos ter.
Se não temos o livre arbítrio de decidir ou não o que iremos sentir e pensar, não podemos ser culpados pelo que pensamos e sentimos, pois são processos involuntários. Entretanto, temos um princípio, uma pequena margem de livre arbítrio interior que pode ser aumentada pela morte dos tiranos interiores. Uma vez que compreendamos como se realiza a morte do Ego, passamos a ser capazes de decidir se aumentaremos ou não nossa margem de livre arbítrio interior. Aí começa nossa responsabilidade.
Nos campos em que não temos livre arbítrio, seria uma perda de tempo tentar reprimir, controlar, recalcar, bloquear, sufocar ou resistir aos impulsos, pois estes atravessam as barreiras cedo ou tarde. Porém, nos campos em que já possuímos ou conquistamos a liberdade interior, podemos e devemos exercê-la, controlando nossas atitudes e atividades mentais, deixando de dar abertura e estímulo aos nossos defeitos. Em suma, não devemos reprimir os defeitos, mas não devemos reforçá-los. É tão errado resistir a um desejo, quanto provocá-lo, estimulá-lo ou "dar-lhe corda" em situações já superadas, nas quais o mesmo já está enfraquecido ou não se manifesta.
Diz o V.M.R. que devemos permitir que os defeitos aflorem mas não que atuem. A observação sem identificação associada à oração impedem que o defeito atue e o enfraquecem. A remoção dos bloqueios permite que ele aflore.
Uma coisa é permitir que um defeito aflore livremente, para ser observado. Outra coisa é permitir que atue livremente, para ser alimentado e fortificado. Permitimos que o defeito atue quando nos identificamos. Então perdemos a (pouca) consciência, adormecemos fascinados e nosso inimigo interior se fortalece.
Por meio da identificação, o ego atua livremente. A pessoa se sente sendo o próprio ego (daí o termo "identificar-se"), sente que é o próprio desejo e vive as cenas dos pensamentos como se fossem reais. Esta é a via pela qual o Ego atua e se enraiza mais e mais.
Por outro lado, se bloqueamos os defeitos e impedimos que aflorem, eles continuarão atuando fora do campo de nossa consciência, em outros níveis, e permanecerão causando dano. Bloquear um defeito não o impede de atuar, pois sua atuação prossegue em níveis inconscientes. O Ego bloqueado não deixa de agir, atua sem que o percebamos, simplesmente se oculta aos nossos olhos e atua de forma invisível. Quem resiste aos desejos não está deixando de alimentá-los, os está alimentando por canais insuspeitados, sem dar-se conta. A resistência não é, portanto, o caminho para impedir a atuação dos egos. Quem imagina que está impedindo um desejo de se alimentar porque lhe resiste está cometendo um grande erro.
O livre arbítrio interior que temos que empregar em tais casos corresponde à aplicação prática das orientações que recebemos sobre a morte do ego, as quais são muitas e não caberiam todas aqui, mas poderiam ser sintetizadas no seguinte:

1. romper a identificação com o ego (recordar-nos de nós mesmos);
2. observar os detalhes do ego em ação sem reprimi-los;
3. tomar as providencias eliminatórias (oração à Mãe Divina) imediatamente após detectá-los.

Deste modo, aplicamos corretamente o incipiente e quase inexistente livre arbítrio interior que possuímos e o aumentamos gradativamente.
Provas de que não temos livre arbítrio interior existem aos montes. Não temos o poder de não nos enfurecermos diante do insultador, de não nos entristecermos nas desgraças, de não temermos frente a ameaças, de não desejarmos o objeto da tentação. Quem duvida do que afirmei, que se submeta ao teste.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Orientações dos mestres sobre o vício de resistir aos desejos

Muitos gnósticos cometeram o grave erro de confundir a verdadeira morte do ego com o simples ato de resistir aos desejos. Levaram a resistência até os extremos perigosos da neurose, como qualquer religioso da mente intermediária.

Resistir aos desejos é o mesmo que reprimir, bloquear, sufocar: uma falsa morte que ocasiona doenças emocionais, como vimos na fileiras gnósticas.

Vejamos o que dizem os V.V.M.M. Samael e Rabolú sobre esse vício de reprimir/resistir aos egos:

"Pergunta – Deve-se reprimir o ego?

VM. – Não, se o reprime então não pode chegar a eliminá-lo, há que deixar que aflore, para ver, não deixa-lo atuar, senão que aflore.

Pergunta – Por exemplo, deixamos de ver televisão, deixamos de escutar todo o que não seja música clássica, todos nossos hábitos que temos trazido, deixamos de uma vez.

VM. – É melhor eliminar os defeitos. Que lhe gostou a música essa que chamam modiva ou moderna, você pode por um disco desses e auto-observar-se por seus centros.
Eliminar os defeitos é o que importa, fazer as coisas consciente." (V.M. Rabolú, Fragmentos de entrevista ao Mestre Rabolú, pelo grupo de Andaluzia, 10 de junho de 1981, transcrição literal)

Ou seja, fazendo as coisas conscientemente, você as vai compreendendo por meio da auto-observação e eliminando, por meio da oração à Mãe Divina. Se você é viciado em músicas horríveis, continue a escutá-las, porém em auto-observação. Então, gradativamente, compreenderá múltiplos detalhes daquilo e começará a se desinteressar. É claro que se você simplesmente ouvir mecanicamente, como sempre fez a vida toda, irá simplesmente reforçar o vício e afundar-se ainda mais! Isso é faca de dois gumes: se você observa o ato, enquanto o comete, e ora, o enfraquece; se você o comente identificado, sem auto-observação e nem oração alguma, se afunda ainda mais no vício. E se você o reprime e perde o tempo resistindo, recairá nele novamente, um milhão de vezes ou somatizará alguma doença. Isso vale não somente para o vício de ouvir alguma música imprestável, mas para qualquer outro vício, como a masturbação, a fornicação, a gula etc.

Há uma diferença entre atuar e aflorar. Devemos deixar o defeito aflorar, mas não atuar. Deixamos que aflore, mas impedimos que atue. Como deixamos que aflore? Removendo os bloqueios e resistências. Como impedimos que atue? Observando e pedindo pela Morte. E quando é que permitimos que o defeito atue? Quando nos identificamos, ficamos "gozando", curtindo e saboreando o desejo, ou seja, quando nos fascinamos. Isso é o que não se deve fazer: dar-lhe alimento, o que acontece quando nos identificamos e deixamos as coisas à deriva.

É uma perda de tempo "dar o contra" nos desejos:

"¿Se le debe llevar la contraria al Ego? Ejemplo: si tengo ganas de estar sentado, digo: 'No, me pongo a caminar'.

Eso lo puede hacer con la pereza, pero no con todos los elementos psíquicos.

¿Es otro ego el que actúa ahi?

Claro, es otro ego el que actúa, va creando otro elemento ahí, contradictorio al otro. Si te quieres quedar sentado, pues quédate sentado" (V.M. Rabolú, Orientando al Discipulo, p. 7, cap. 1 - "El Trabajo")

Portanto, o que se opõe a um ego é outro ego, o que significa que o mero esforço equivocado para "ir contra" um impulso é provocado por um ego contrário. São os egos contrários que promovem a repressão, o recalque, a resistência. E muitos gnósticos supõem que isso seja o Morrer!

Sobre a resistência e as disciplinas equivocadas para resistir aos desejos, nos diz o V.M. Samael:

"A resistência é a força opositora. A resistência é a arma secreta do ego.

A resistência é a força psíquica do Ego, que se opõe à que tomemos consciência de todos os nossos defeitos psicológicos.

Com a resistência, o Ego tende a sair pela tangente, postulando desculpas para calar ou tapar o erro.

Por causa da resistência, os sonhos tornam-se difíceis de interpretar e o conhecimento que se quer ter sobre si mesmo torna-se nebuloso.

A resistência atua como um mecanismo de defesa, que trata de omitir erros psicológicos desagradáveis, para que não se tenha consciência deles e se continue na escravidão psicológica.

Mas, na realidade e de verdade, tenho de declarar que existem mecanismos para vencer a resistência e são os seguintes:

1 - Reconhecê-la.
2- Defini-la.
3- Compreendê-la.
4- Trabalhar sobre ela.
5 - Vencê-la e desintegrá-la por meio da super-dinâmica sexual.

Mas o Ego lutará durante a análise de resistência para que não sejam descobertas suas falácias, o que põe em perigo o domínio que ele tem sobre a nossa mente.

Nos momentos de luta com o Ego, há que apelar a um poder superior à mente: o fogo da serpente Kundalini dos hindus." (Samael Aun Weor, A Revolução da Dialética, cap. "A Resistência")

A coisa chegou ao ponto de traçar-se disciplinas para a resistência no Movimento Gnóstico, desconsiderando que uma escola que almeje ser esotérica deveria ser a primeira a seguir essas orientações:

"Os professores de escolas, colégios e universidades dão muita importância à disciplina e nós devemos estudá-la neste capítulo detidamente.

Todos nós que passamos por escolas, colégios e universidades sabemos bem o que é a disciplina: regras, palmatórias, repreensões, etc.

Disciplina é isso que se chama cultivo da resistência. Os professores de escola ficam encantados em cultivar a resistência.

Ensinam-nos a resistir, a erguer algo contra alguma coisa. Ensinam-nos a resistir às tentações da carne, a nos açoitarmos e a fazermos penitência para resistir. Ensinam-nos a resistir às tentações que traz a preguiça: tentações para não estudar, para não ir à escola, e a brincar, rir, zombar dos professores, violar os regulamentos, etc.

Os professores e professoras têm o conceito equivocado de que, mediante a disciplina, poderemos compreender a necessidade de respeitar a ordem da escola, a necessidade de estudar, de guardar compostura diante deles, de nos comportarmos bem com os demais alunos, etc.

Existe entre as pessoas o conceito equivocado de que quanto mais resistirmos, quanto mais repelirmos, mais nos tornaremos compreensivos, livres, plenos e vitoriosos. Não querem se dar conta de que quanto mais lutarmos contra alguma coisa, quanto mais a repelirmos, quanto mais resistirmos a ela, menor será a compreensão.

Se lutamos contra o vício da bebida, este desaparecerá por um tempo, mas como não o compreendemos a fundo, em todos os níveis da mente, ele retornará mais tarde, quando nos descuidemos da guarda, e beberemos de uma vez por todo o ano.

Se repelimos o vício da fornicação, por um tempo seremos aparentemente bem castos, porém, em outros níveis da mente, continuamos sendo espantosos sátiros, como bem podem demonstrar os sonhos eróticos e as poluções noturnas.

Depois, voltamos com mais força às nossas antigas andanças de fornicários irredentos, devido ao fato concreto de não termos compreendido a fundo o que é a fornicação.

Muitos são os que rechaçam a cobiça, os que lutam contra ela, os que se disciplinam contra ela seguindo determinadas normas de conduta. Mas, como não compreenderam de verdade todo o processo da cobiça, terminam no fundo cobiçando não ser cobiçosos.

Muitos são os que se disciplinam contra a ira, os que aprendem a resisti-la, mas ela continua existindo em outros níveis da mente subconsciente, mesmo quando aparentemente tenha desaparecido de nosso caráter. Ao menor descuido, o subconsciente nos atraiçoa e trovejamos e relampejamos cheios de ira. E quando menos esperamos e talvez por algum motivo sem a menor importância.

São muitos os que se disciplinam contra o ciúme e por fim crêem firmemente que o extinguiram. Mas, como não o compreenderam, é claro que aparece novamente em cena, e justamente quando já o julgávamos bem mortos.

Só com plena ausência de disciplinas, só em liberdade autêntica, surge na mente a ardente labareda da compreensão.

A liberdade criadora não pode existir jamais dentro de uma armadura. Precisamos de liberdade para compreender nossos defeitos psicológicos de forma integral. Precisamos com urgência derrubar muros e romper grilhões de aço para sermos livres.

Temos que experimentar por nós mesmos tudo aquilo que os professores na escola e os pais em casa disseram que é bom e útil. Não basta aprender de memória e imitar. Necessitamos compreender.

Todo o esforço dos professores e professoras deve ser dirigido à consciência dos alunos. Devem se esforçar para que eles entrem no caminho da compreensão.

Não é suficiente dizer aos alunos que devem ser isto ou aquilo. É preciso que os alunos aprendam a ser livres para que possam por si mesmos examinar, estudar e analisar todos os valores, todas as coisas que lhes disseram ser boas, úteis, nobres; não basta meramente aceitá-las e imitá-las.

As pessoas não querem descobrir por si mesmas, têm as mentes fechadas estúpidas; mentes que não querem indagar; mentes mecânicas que jamais indagam e que só imitam.

É necessário, urgente e indispensável que os alunos e alunas, desde a mais tenra idade até o momento de abandonar as aulas, gozem de verdadeira liberdade para descobrir por si próprios, para inquirir, para compreender, a fim de não ficarem limitados pelos abjetos muros das proibições, censuras e disciplinas.

Se aos alunos se diz o que devem e o que não devem fazer e não se lhes permite compreender e experimentar, onde então está a sua inteligência? Qual foi a oportunidade que se deu à inteligência?

Para que serve passar em exames, se vestir bem, ter muitos amigos, etc., se não somos inteligentes?

A inteligência só virá a nós quando formos verdadeiramente livres para investigar por nós mesmos, para compreender, para analisar independentemente sem temor à censura e sem o castigo das disciplinas.

Os estudantes medrosos, assustados, submetidos a terríveis disciplinas, jamais poderão saber. Jamais poderão ser inteligentes.

Hoje em dia, a única coisa que interessa aos pais de família e aos professores é que os alunos façam uma carreira, que se tornem médicos, advogados, engenheiros, contadores, etc., isto é, autômatos viventes. Que depois se casem e se convertam em máquinas de fazer bebês. Isso é tudo!

Quando um rapaz ou uma moça quer fazer alguma coisa nova, diferente, quando sente a necessidade de sair dessa armadura de preconceitos, hábitos antiquados, regras, tradições familiares, nacionais, etc., os pais de família apertam mais os grilhões da prisão e dizem ao rapaz ou à moça: "não faça isso, não estamos dispostos a te apoiar nisso! Essas coisas são loucuras”, etc., etc.

Total: o rapaz ou a garota ficam formalmente presos no cárcere das disciplinas, tradições, costumes antiquados, idéias decrépitas, etc.

A EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL ensina a conciliar a ordem com a liberdade.

A ordem sem liberdade é tirania. A liberdade sem ordem é anarquia. Liberdade e ordem sabiamente combinadas constituem a base da EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL.

Os alunos devem gozar de perfeita liberdade para averiguar por si mesmos, para inquirir, para descobrir o que há realmente de certo nas coisas e aquilo que podem fazer na vida.

Os alunos e alunas, os soldados e os policiais e em geral todas as pessoas que têm de viver submetidas a rigorosas disciplinas, costumam se tornar cruéis, insensíveis à dor humana, impiedosas...

A disciplina destrói a sensibilidade humana e isto já está totalmente demonstrado pela observação e pela experiência.

Devido a tantas disciplinas e regulamentos, as pessoas desta época perderam totalmente a sensibilidade e se tornaram cruéis e impiedosas.
Para sermos verdadeiramente livres, temos de ser muito sensíveis e humanitários.

Nas escolas, colégios e universidades, se ensina aos estudantes que devem prestar atenção durante a aula, e os alunos e as alunas prestam atenção para evitar a censura, o puxão de orelhas, a batida com a régua, etc. Porém, infelizmente, não se lhes ensina a compreender realmente o que é a atenção consciente.

Por disciplina, o estudante presta atenção e gasta energia criadora muitas vezes de forma inútil.

A energia criadora é o tipo mais sutil de força fabricado pela máquina orgânica.

Nós comemos e bebemos e todos os processos da digestão são, no fundo, processos de sutilização, em que as matérias grosseiras se convertem em matérias e forças úteis. A energia criadora é o tipo de matéria e de força mais sutil elaborado pelo organismo.

Se soubermos prestar atenção conscientemente, poderemos economizar energia criadora. Infelizmente, os professores e professoras não ensinam aos seus discípulos o que é a atenção consciente.

Para onde quer que dirijamos a atenção, gastamos energia criadora. Poderemos economizar essa energia se dividirmos a atenção, se não nos identificarmos com as coisas, com as pessoas ou com as idéias.

Quando nos identificamos com as pessoas, as coisas ou com as idéias, nos esquecemos de nós mesmos e perdemos energia criadora da forma mais lastimável.

É urgente saber que precisamos economizar a energia criadora para despertar a consciência, e que a energia criadora é o potencial vivo, o veículo da consciência, o instrumento para despertar a consciência.

Quando aprendemos a não nos esquecermos de nós mesmos, quando aprendemos a dividir a atenção em sujeito, objeto e lugar, economizamos energia criadora para despertar a consciência.

É preciso aprender a dirigir a atenção para despertar a consciência, mas os alunos e as alunas nada sabem sobre isto porque seus professores e professoras não lhes ensinaram.

Quando aprendemos a usar a atenção conscientemente, a disciplina fica sobrando.

O estudante ou a estudante atento em sua classe, à sua lição, em ordem, não precisa de qualquer espécie de disciplina.

É urgente que os professores compreendam a necessidade de conciliar inteligentemente a ordem e a liberdade, e isto só é possível com a atenção consciente.

A atenção consciente exclui isso que se chama identificação. Quando nos identificamos com as pessoas, com as coisas ou com as idéias, vem a fascinação e esta produz o sonho da consciência.

Há que saber prestar atenção sem se identificar. Quando prestamos atenção em algo ou alguém e nos esquecemos de nós mesmos, o resultado é a fascinação e o sonho da consciência.

Observem cuidadosamente alguém que está vendo um filme no cinema. Encontra-se adormecido. Ignora a tudo e a si mesmo, está oco, parece um sonâmbulo. Sonha com o que vê no filme, com o herói da aventura.

Os alunos e alunas devem prestar atenção nas aulas sem se esquecerem de si mesmos, para não caírem no espantoso sonho da consciência.

O aluno deve ver a si mesmo em cena quando estiver prestando exame ou quando estiver no quadro negro por ordem do professor, quando estiver estudando, descansando ou brincando com seus colegas.

A atenção dividida em três partes: sujeito, objeto e lugar, é de fato atenção consciente.

Quando não cometemos o erro de nos identificar com as pessoas, com as coisas ou com as idéias, economizamos energia criadora e nos precipitamos no despertar da consciência.

Quem quiser despertar a consciência nos mundos superiores, deve começar por despertar aqui e agora.

Quando o estudante comete o erro de se identificar com as pessoas, as coisas ou as idéias, quando comete o erro de se esquecer de si mesmo, cai na fascinação e no sonho.

A disciplina não ensina os estudantes a prestar atenção conscientemente. A disciplina é uma verdadeira prisão para a mente.

Os alunos e alunas devem aprender a dirigir a atenção consciente desde os bancos da escola, para que mais tarde, na vida prática, fora da escola, não cometam o erro de se esquecerem de si mesmos.

O homem que se esquece de si mesmo diante de um insultador, identifica-se com ele, fascina-se e cai no sono da inconsciência. Então, fere ou mata e vai para a prisão inevitavelmente.

Aquele que não se deixa fascinar com o insulto, aquele que não se identifica com ele, aquele que não se esquece de si mesmo, aquele que sabe usar sua atenção conscientemente, seria incapaz de dar valor às palavras do insultador, de feri-lo ou de matá-lo.

Todos os erros que o ser humano comete na vida são devidos a que se esquece de si mesmo, se identifica, fascina-se e cai no sonho.

Melhor seria que para a juventude, para todos os estudantes, se os ensinássemos o despertar da consciência, ao invés de escravizá-los com tantas disciplinas absurdas."
(Samael Aun Weor, Educação Fundamental, cap.IV. "A DISCIPLINA")

É claro que o mestre está se referindo a uma disciplina equivocada, orientada para a repressão dos impulsos e não para a sua compreensão. A disciplina criticada acima é a disciplina para o cultivo da resistência. Mas mesmo a compreensão não surgirá se tentarmos obtê-la por meio de uma disciplina baseada no mero esforço irrefletido e na resistência aos impulsos. Melhor que resistir, é compreender e morrer de fato.

O que enfraquece o poder de um ego é a ação desinfectante da consciência (compreensão) e não o esforço para resistir. O que mata um defeito é o fogo da Mãe Divina e não as resistências. Acreditar que os bloqueios e resistências enfraquecem e matam defeitos é estar equivocado. A ato de resistir a um defeito não o enfraquece, apenas o represa e o faz irromper sob outras formas ou em outros momentos.

Os mestres são unânimes em orientar que não se deve dar passe livre aos desejos e nem permitir que atuem livremente. De fato, o poder da compreensão e observação conscientes, associados ao fogo interior da Mãe Divina, enfraquecem a ação do defeito e não lhe permitem atuar, embora lhe permitam aflorar para que sejam percebidos conscientemente.

A obsessão por virtudes nos lança no pólo contrário. Os obsecados por castidade são os mais fornicários, pois não vêem o sexo com naturalidade. Os obsecados por mansidão são os mais furiosos e iracundos, quando provocados.

Observem que os mestres não estão dizendo para ninguém dar corda ou estimular os defeitos, identificando-se com os mesmos. Tampouco estão recomendando que se fique "curtindo" a sensação de satisfazer o desejo (identificação). Estão unicamente orientando a não perder o tempo com resistências e repressões tolas, porque elas não matam e não eliminam nada.

Creio que essas citações sejam suficientes para convencer os gnósticos fanáticos que sempre acharam que temos que viver reprimindo nossas emoções, desejos e impulsos, ao invés de acompanhá-los conscientemente e sem identificação para compreendê-los em profundidade crescente.