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sábado, 29 de setembro de 2012

Concentração: dissociando a atenção dos pensamentos

A consciência vincula-se indissociavelmente à atenção. Onde estiver nossa atenção, ali está nossa consciência. Atenção e consciência são quase sinônimos.

Quando realizamos uma tarefa perigosa, dissociamos a atenção de todos os pensamentos e de todos os acontecimentos que não estejam implicados na realização da tarefa. Nossa consciência está focada, direcionada. Se a concentração é profunda, chegamos a perder a noção de tempo.

Quando nos distraímos prestando atenção nos pensamentos, nossa atenção se dispersa, a consciência é absorvida pelos pensamentos e nos tornamos desatentos à realidade.

Os milhares de pensamentos têm o poder de roubar a atenção e sequestrar a consciência, apagando-a e deixando-nos anestesiados. É então que atuamos mecanicamente, como robôs.

Absortos nos pensamentos, passamos a maior parte do tempo agindo sem nos darmos conta do que estamos fazendo. 

Na correta prática de concentração, dissociamos a atenção dos sentidos e de todos os pensamentos que não sejam intrínsecos ao tema. Concentrar-se é abandonar tudo em favor de uma meta, um alvo. 

A mente é a substância componente dos pensamentos (manas). Quem quer escapar da mente, tem que escapar dos pensamentos. Para escaparmos dos pensamentos, é necessário prestar atenção em um alvo (lakshya). A observação contínua de algo nos dissocia de tudo o que não faça parte daquilo. 

A atenção dispersa é a atenção repartida entre muitos alvos. Saltar de alvo em alvo é o oposto de concentrar-se.

O que importa é aprender a observar, seja o lakshya interno ou externo, e dissociar-se de tudo o mais.

Assim como nos dissociamos dos pensamentos quando observamos um alvo físico, nos dissociamos dos sentidos e dos pensamentos quando observamos um alvo mental (o pensamento único).

A chave para dissociar-se não é entrar em conflito com os pensamentos indesejáveis. A chave está na atenção consciente, que é uma virtude da nossa Essência ou Alma. É a Essência que presta atenção e possui consciência.

Compreendamos que:

  • O corpo físico não é a essência;
  • Os sentimentos não são a essência;
  • Os pensamentos não são a essência.
Nossa essência ou alma, portanto, está além do corpo, dos afetos e da mente.


Quando os pensamentos tentarem atrair sua atenção, não lute com eles, simplesmente confira mais importância ao tema e se aprofunde.




Morte do Ego: descobrindo as causas horizontais


Em nossa vida, fatos indesejáveis e destrutivos repetem-se incessantemente, atormentando-nos. Os fatos indesejáveis resultam de múltiplas causas, combinadas e sequenciadas em diversos níveis horizontais: algo que fazemos agora desdobra-se em um efeito daqui há pouco, que se desdobra novamente e assim por diante. Tudo o que fazemos tem múltiplas e prolongadas consequências, tanto internamente como externamente.

Um ato impulsivo qualquer se origina, horizontalmente, de outros atos cometidos, os quais se originam de outros que, por sua vez, se originaram de outros e assim sucessivamente. Os atos formam cadeias de eventos sucessivos. 

Vejamos um exemplo. Alguém que tenha brigado em um bar, primeiramente se desentendeu com o rival, mas antes de se desentender já havia cometido inúmeros atos que o levaram àquela situação. A pessoa originou sua própria tragédia de inúmeras e insuspeitadas maneiras. Se jamais houvesse frequentado bares, não teria conhecido o inimigo. Se não houvesse conhecido o inimigo, não teria entrado em conflito. Portanto, sua desgraça começou a se gestar muito antes do acontecimento trágico em si. Se detalharmos ainda mais as causas, descobriremos um sem número de frases, posturas, olhares, pensamentos, movimentos, deslocamentos, caminhadas etc. que originaram e nutriram aquela situação até o dia fatídico. A briga foi o resultado indesejável da combinação de múltiplos fatos anteriores. 

Quando removemos de nossa vida as situações que conduzem a um resultado indesejável, o resultado deixa de acontecer.

Em grande medida, nós mesmos somos os autores de nossas desgraças, mas não nos damos conta.

Cometer um delito é como caminhar por uma estrada rumo a um grande perigo, quanto mais caminhamos em direção àquele objetivo, mais difícil é retornar, quanto mais longe, mais fácil. Melhor é não dar os primeiros passos naquela direção.

Não é tão fácil deter a fornicação, mas não é tão difícil manter-se distante da mulherada. A fornicação, uma vez provocada, dificilmente retrocederá. Aprendemos o Morrer quando aprendemos a evitar as situações que desencadeiam os atos que queremos eliminar de nós mesmos. O que importa é antecipar-se à compulsão, agir antes. 

Na Morte, ao invés de nos ocuparmos com tolas tentativas de fazer retroceder resultados desastrosos, trabalhamos sobre as causas desses resultados. Investigamos as sequências causais até onde nosso entendimento alcance e as eliminamos. Então o monstro invencível tomba.

As causas dos atos compulsivos devem ser buscadas na mente (pensamentos, lembranças, raciocínios, imaginações e fantasias) e nos movimentos (tudo o que fazemos e dizemos). Um ato, fala ou pensamento inofensivos podem ter desdobramentos desastrosos. Esses são os "detalhes" ou fonte de alimentação dos defeitos.

O desejo se torna despótico quando tentamos combatê-lo diretamente, ao invés de irmos aos fatores que o nutrem, às suas causas.

Quando queremos nos livrar de um vício, temos que nos afastar de tudo o que esteja a ele relacionado. Tudo o que lembre ou conduza ao vício tem que ser removido. Mas, para remover os fatores do vício, temos primeiramente que descobri-los.

Por trás de cada pequeno e inofensivo ato, fala ou pensamento que conduz a uma posterior situação de satisfação do desejo há um pequeno ego. Temos, portanto, milhares de pequenos elementos psíquicos que convergem rumo à satisfação de um dado desejo poderoso e violento. Um desejo violento não atua sozinho, mas por intermédio ou facilitação de inúmeros desejos menores, sutis e quase imperceptíveis.

Um homem que fique andando com mulheres, marcando encontros, correspondendo-se, que tenha uma agenda cheia de números de telefones de parceiras, que assista a filmes pornográficos, que frequente danceterias, boates, prostíbulos, que mantenha conversas luxuriosas com amigos, que aprecie se distrair com pensamentos morbosos etc. jamais conseguirá livrar-se do vício da fornicação por uma simples razão: o estará nutrindo com tais atos. Os referidos atos são as causas (horizontais) do seu vício. E cada ato possuirá uma causa vertical ou interior: um ego respectivo. O mesmo princípio vale para quaisquer outros defeitos que tenhamos: a ira, o medo, a preguiça, a gula e muitos outros.

Portanto, aprendamos a evitar aquilo que nos levará a situações das quais não poderemos retornar. Aí está uma das chaves para a Morte.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Perguntas importantes


1. O que é uma concentração intensa?

Quando ouvimos a expressão "concentração profunda" ou "concentração intensa", imaginamos imediatamente alguém franzindo o entrecenho enquanto faz um terrível esforço para concentrar-se. A palavra "intensa" é equivocadamente associada à palavra "tensa" e a palavra "concentração" é erroneamente associada à palavra "contração". Ao ser traduzida para o português e línguas próximas, a palavra original "dharana" perde seu sentido verdadeiro e suas traduções originam confusões. Na verdade, "dharana" deveria ser traduzida por uma expressão composta, algo assim como "atenção contemplativa ininterrupta", e não por uma palavra simples. Por pertencerem a culturas muito materialistas, as línguas ocidentais não possuem palavras simples que equivalham exatamente a "dharana".

Particularmente, defino a concentração intensa como sendo um fluxo de pensamentos que não sofre interrupção por um tempo prolongado e é contemplado conscientemente, acompanhado com atenção tranquila. A intensidade é definida pela ininterrupção do fluxo.

Sabemos que atingimos o pensamento único e a concentração intensa quando formos capazes de pensar longamente, de forma livre e profunda sobre o objeto, sem nos desviarmos. O pensamento prolongado, livre, ininterrupto, contínuo dentro do tema proposto é o que buscamos. Almejamos a fluidez do pensamento. 

2. Por que um perigo ameaçador não existe?

Porque o perigo ameaçador que tememos existe somente dentro de nossa cabeça e não fora de nós. Se deixássemos de existir, o perigo deixaria de existir para nós, "escaparíamos" do perigo. Um mesmo fato que ameaça uma pessoa pode ser visto como inofensivo ou até um fator de proteção para outra. Portanto, o caráter ameaçador de algo é uma qualidade que lhe atribuímos mentalmente. Mesmo os perigos universalmente ameaçadores não meterão medo em ninguém se não houver ninguém para ser ameaçado. Não estou dizendo que o fato da ameaça, em si mesmo, não existe, mas sim que seu caráter terrível é subjetivo, atribuído pela mente. Uma barata, por exemplo, pode amendrotar uma pessoa e não despertar medo algum em outra.

3. Por que uma bela e desejável mulher não existe?

Porque a linda imagem de uma fêmea humana desesperadamente desejável é uma criação da mente do macho. Prova disso é que esta mesma mulher não desperta desejo algum em outra mulher heterossexual ou em um animal cuja espécie seja muito distante da espécie humana. Em si mesmas, as criaturas não são belas ou feias, apenas existem. Você, muito provavelmente, não sente atração alguma pela fêmea de um lagarto, apesar dela ser sexualmente atrativa para ele, concorda?

Não estou afirmando que as mulheres em si não existam, mas sim que a beleza/fealdade são atributos mentais que estão na mente de quem as contempla. Uma mulher não é bonita "em si mesma", mas sim aos nossos olhos.

Toda excitação, seja sexual, nervosa ou de outra índole, é algo mental. Se retirássemos a mente de um ser humano, não haveria excitação de espécie alguma. Nos excitamos porque imaginamos mil coisas relacionadas ao objeto excitante. Até mesmo o orgasmo é algo mental, que não pode ocorrer sem a excitação correspondente.

4. Por que os problemas não existem?

Porque estão dentro da mente e não fora dela. Não estou afirmando, com isso, que o mundo exterior seja mais real que o mente e sim que ambos, mente e matéria, não correspondem à realidade última das coisas. Os problemas não existem objetivamente, mas sim subjetivamente. O que existe objetivamente são alguns fatos que em essência são neutros mas aos quais atribuímos um caráter problemático. Um problema é um problema porque assim o entendemos e assim o entendemos porque nele pensamos deste modo. As coisas, em si mesmas, não são boas e nem más, apenas existem, se processam na natureza rumo a determinados fins, às vezes inevitáveis, mas, ainda assim, naturais.

5. Se todas as coisas que vemos não existem, por que acreditamos e sentimos tão fortemente que existam tal como as percebemos?

Porque cristalizamos solidamente formas tendenciosas e parciais de entendê-las e, por extensão, de percebê-las. Aprendemos a pensar obstinadamente nas coisas de determinadas maneiras e tais formas se consolidaram em nossa percepção. Por tais razões, mesmo que queiramos entendê-las de outras maneiras não somos capazes. Para recebermos o mundo de outra maneira, teríamos primeiramente que destruir as formas mentais condensadas e cristalizadas que criamos ao longo de várias existências. A Morte do Ego tem justamente esse resultado. 

6. Por que a mente costuma não fluir quando tentamos concentrá-la em algo superior?

Por que a acostumamos excessivamente a pensar somente dentro de determinados eixos ou trilhos. Se você focar sua mente em algo imprestável (não faça isso!) ela rapidamente se concentrará naquilo e te levará aos nefastos resultados. Mas se você focá-la em algo superior, ela imediatamente tentará se desviar. Temos que acostumar a mente a pensar nas coisas superiores e desacostumá-la de pensar no que é mundano. 

Passamos a vida toda pensando no que não presta, por isso é tão fácil concentrar o pensamento negativo e prejudicial. Os pensamentos prejudiciais fluem com facilidade e levam muita gente à desgraça e ao crime. Não flerte com os pensamentos maus, mas também não conflite com eles, simplesmente abandone-os, substituindo-os por pensamentos elevados.

Quando um pensamento maligno e vergonhoso te assaltar, não se assuste e nem se preocupe, mantenha-se neutro e simplesmente aplique a Morte em Marcha ao ego que o emitiu.

7. Se todas as coisas não existem, então não há perigo algum em jogar-se de um prédio?

Sim, há. Eu não faria isso...As coisas não existem tal como as percebemos (tal como nos parecem ou se nos afiguram), mas isto não significa que não possuam realidade em si mesmas. Quando digo que as coisas não existem, estou me referindo à aparência que assumem ante nossos olhos (não existem da maneira como as imaginamos ou entendemos) e não ao aspecto absoluto que as permeia. Elas existem como coisas em si, inacessíveis aos nossos sentidos. A rocha que você vê na sua frente não existe, o que existe é outra coisa distinta do que você vê, mais completa. A rocha que você vê é uma imagem parcial (e portanto falsa, pois não corresponde à realidade). Por outro lado, a rocha completa (absoluta) é invisível, mas pode perfeitamente ferir o crânio de alguém, por isso...não a jogue em ninguém!

8. Quem são os inimigos da Gnosis?

Os inimigos do conhecimento espiritual gnóstico pertencem a várias correntes de pensamento. Entre os principais difamadores existem espiritualistas, ateus, materialistas e religiosos (embora nem sempre os representantes desses grupos sejam anti-gnósticos). De um modo geral, os detratores se incomodam com a idéia de uma ciência espiritual que faça alegações passíveis de comprovação. Neste sentido, embora existam entre eles grandes divergências, os anti-gnósticos estão em acordo em um ponto: negam a possibilidade de se conhecer os mistérios espirituais de forma objetiva e comprovável, sem o recurso das crenças e teorias. Esses grupos sentem-se ameaçados pela possibilidade das massas chegarem conhecer o Além de forma direta.

sábado, 22 de setembro de 2012

Libertando-se da ilusão dos opostos

Compreendendo o caráter ilusório do mundo

Milarepa e outros santos mestres relataram que compreendiam o caráter ilusório de tudo, incluindo dos objetos do desejo e de temor. Ensinaram que o desinteresse pela matéria advém da compreensão de seu caráter ilusório. Mas o que significa a expressão "compreender o caráter ilusório do mundo"?

Compreender o caráter ilusório dos elementos que nos rodeiam, do mundo em que vivemos e daquilo que desejamos ou tememos é compreender que os mesmos não passam de formas mentais criadas pela mente, desprovidas de realidade. São artifícios que não existem em si mesmos. A essência de um pássaro não é o que vemos, assim como não o é a essência de um belo carro ou de uma linda mulher. As características que percebemos nas coisas são atribuídas por nossa mente. Uma mulher desejável não é desejável em si mesma, se o fosse, seria desejável para todos os seres, todos criaturas a veriam como desejável. Um objeto qualquer (ex. um tênis) é desejável apenas para algumas pessoas, sendo desinteressante ou detestável para outras. Se as coisas não são desejáveis em si mesmas, então o são para alguém, ou seja, em relação a alguém. E, se o são somente em relação a alguém, isso significa que o caráter desejável da coisa está dentro e não fora, além de ser subjetivo. Em suma: aquilo que vemos e consideramos desejável não existe, é somente uma forma mental, uma maneira de entender e de perceber as coisas.

O boneco de vidro que está enfeitando a sala não é, em si mesmo, exatamente como o vemos. Vemos uma imagem forjada pela mente, através dos sentidos. O mesmo objeto pode ser percebido de formas distintas por outras pessoas ou por animais de outras espécies. Se o olharmos com o microscópio, através de câmeras de raios X, infravermelho ou ultravioleta, o veremos de forma distinta, pois entre os sentidos e a consciência está a mente, dando às percepções o seu tom e sua nota tendenciosa. Como a coisa em si mesma não é percebida, pois é infinita e sua infinitude escapa à mente, o que percemos é uma imagem ilusória. Não vemos os objetos do mundo de forma integral, mas de uma forma parcial, muito limitada. Esta é a ilusão da qual escapamos durante a meditação.

Quando desejamos ou tememos de forma intensa alguma coisa, isso deve à uma sólida impressão de realidade conferida ao objeto pela mente. Acreditamos piamente, sem sombra de dúvida, na realidade daquilo. Não é o objeto em si que desejamos ou tememos, mas sim uma forma criada por nossa mente.

Compreender o caráter ilusório do mundo é compreender que o mesmo não existe, tal como o vemos. Aquilo que desejamos inexiste e aquilo que tememos é falso, pelo simples fato de que não correpondem ao que imaginamos. 

Quando meditamos, escapamos temporiariamente da ilusão e, quando o Ego morre, as ilusões deixam de existir de forma definitiva.

Libertando-se dos opostos

Dizem também os veneráveis e santos mestres que estamos presos aos opostos. Que opostos são esses? 

Os opostos aos quais a mente está presa são as características que percebemos nas coisas. Quando achamos algo bonito, temos a fealdade como referencial, quando consideramos algo bom, temos a maldade como referência, quando sentimos prazer, temos a dor como referência e assim por diante, ainda que não estejamos conscientes disso. 

É pelos opostos que os objetos do mundo adquirem suas qualidades (para nós). Nosso modo de entender as coisas oscila entre os opostos: para nós, as coisas são boas ou ruins, belas ou feias, agradáveis ou desagradáveis, grandes ou pequenas etc. Entendemos e percebemos o mundo dentro das polaridades. Esse é o batalhar das antíteses.

Reflita sobre um tipo de mulher que você deseja e descobrirá que a deseja em oposição outro tipo, que possui características contrárias. Analise algo que você teme ou detesta e descobrirá que teme aquilo em oposição a alguma outra coisa, considerada desejável ou inofensiva. Você se sente seguro em certas situações em oposição a outras situações, que provocam insegurança. Aquilo que nos irrita ou incomoda sempre terá o seu oposto, algo que nos proporciona agradáveis sensações de bem estar. Vivemos oscilando entre os opostos.

A mente presa nos opostos é o próprio Ego, uma vez que é o Ego que confere características às coisas. As qualidades dos objetos são aprendidas ao longo da vida, não nascemos sabendo as diferenças. As coisas se tornam o que são (para nós) à medida que o Ego se desenvolve. É pelo contraste que achamos e sentimos que as coisas são boas ou ruins.  Nossa visão de mundo atual resulta de experiências passadas.

Quando meditamos, perdemos a noção dos opostos. Então não há diferença entre dia e noite, doença e saúde, vida e morte, velhice e juventude, antes e depois. Nos libertamos desses opostos e, então, aquilo que nos perturbava deixa de nos perturbar.

A primeira noção que costumamos perder quando praticamos a meditação é a noção do tempo. Perdemos a noção e não sabemos se passou muito ou pouco tempo. Podemos ter a impressão de que se passou  bastante tempo e, ao olhar o relógio, apenas alguns minutos se passaram. Isso ocorre porque escapamos do par de opostos "breve" e "demorado", nossa consciência escapa do tempo por um breve período.

Em seguida, com o avanço da prática, pode ser que escapemos do par de opostos "aqui" e "acolá" ou do "próximo" e do "distante". Então perdemos a noção de onde estamos e deixamos de saber se estamos meditando em casa ou em outro lugar. É comum que, ao voltarmos da meditação, nos surpreendamos por acharmos que estávamos em outro lugar. Nossa consciência escapou temporariamente do espaço.

Essas perdas de noção não fazem mal algum e não são patologias mentais. As noções são imediatamente recuperadas assim que terminemos a prática.

Praticantes avançados e experientes vão se desvencilhando de todas as noções de opostos até o ponto de escaparem completamente desta realidade fenomênica. Escapar dos opostos é libertar a essência da prisão da mente, pois é a mente que entende as coisas de forma dual. Quando escapamos completamente dos opostos, não discernimos entre o alto e o baixo, o feio e o belo, o grande e o pequeno e outras dúadas, pois o nosso discernimento estará funcionando de outra maneira, em sintonia com realidades que estão além do compreensível.

O escape dos pares de opostos não é algo que se consiga por meio da simples força. E, antes, o resultado natural do aprofundamento do pensamento concentrado e do posterior abandono do mesmo.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Milarepa: ensinamento em vídeo

Este  vídeo contém alguns ensinamentos importantes do Santo Milarepa sobre a meditação (é a segunda parte de uma sequência de três vídeos):


"Para testar a conquista e experiência de Rechungpa e também para descobrir o quão forte era o seu espírito de renúncia, um dia Milarepa casualmente cantou para ele a 'Canção dos Doze Enganos':

A Canção dos Doze Enganos 

'Afazeres mundanos são todos enganadores; então procuro a verdade divina.

A excitação e distração são ilusões; então medito na verdade não dual.

Companheiros e servos são enganadores; então permaneço em solidão.

Dinheiro e posses também são enganadores; então se eu os tenho, dou para os outros.

Coisas do mundo externo são todas ilusões; a mente interna é a que observo.

Ensinamentos vagantes são todos enganadores; então só trilho o caminho da sabedoria.

Enganadores são os caminhos da verdade oportuna; a Verdade Final é aquela em que medito.

Livros escritos em tinta preta são todos enganadores; apenas medito no âmago das instruções da Linhagem Sussurrada.

Palavras e dizeres também são enganadores; calmo, descanso minha mente no estado sem esforço.

Nascimento e morte são ambos ilusões; observo somente a verdade do Não Elevar.

A mente é, em todos os meios, enganadora; então pratico como animar a consciência.

A prática de segurar a mente é enganadora e leva a caminhos errados; então descanso no Reino da Realidade.'

Rechungpa pensou:

'Meu Guru é o próprio Buda, não há idéia ilusória em sua mente. Mas, por minha incapacidade de devoção e também a dos outros, ele cantou para mim, esta canção.'

E Rechungpa cantou em resposta para explicar ao seu guru sua compreensão sobre o ensinamento da visão, prática e ação:

'Ouça-me, por favor Pai Guru, minha mente escura é cheia de ignorância, segure-me com a corda de sua compaixão.

Na encruzilhada onde Realismo e Nihilismo encontram-se, perdi meu caminho, ao procurar a visão dos Não Extremos, então não tenho segurança no conhecimento da Verdade.

Sonolento e distraído a toda hora, alegria e Iluminação ainda não são minhas e assim não conquistei todo o apego.

Não consigo me libertar de tomar e abandonar e, sem necessidade, continuo em meus atos impulsivos, então ainda não destruí todas as ilusões.

Fui incapaz de afastar todos feitos de fraude e observar os preceitos tântricos sem falha, ainda não conquistei todas as tentações.

A distinção ilusória entre o Samsara (ciclo da reencarnação) e o Nirvana (Felicidade Eterna) ainda não percebi na própria mente do Buda, então ainda tenho que encontrar meu caminho ao Darmakhaya.

Não fui capaz de equalizar esperança com medo e a minha própria face para contemplar, então ainda tenho que ganhar os Quatro Corpos de Buda.

Eu fui protegido por sua Compaixão no passado, agora, colocando-me inteiramente em tuas mãos, rezo; dê-me ainda mais de tuas bençãos.'

Assim Milarepa, mandou sua Graça compassiva para abençoar Rechungpa e disse a ele, fingindo:

'OH, Rechungpa, você tem mais conhecimento e experiências que aqueles que acabou de me contar. Não deveria esconder nada de mim. Seja franco e cândido.'

Quando Milarepa disse isto, Rechungpa se tornou iluminado e ele cantou as 'Sete Descobertas'.

Canção das Sete descoberta

'Através da Graça do meu pai guru, o sagrado Jetsün, agora percebi a Verdade nas Sete Descobertas.

Em manifestações, descobri o Vazio, agora não tenho pensamento de que nada exista.

No Vazio encontrei o Dharmakaya, agora não tenho pensamento da ação.

Em miríades de manifestações o Não Dual encontrei, agora não tenho pensamento de reunir ou dispersar.

Em elementos de Vermelho e Branco descobri a essência da igualdade, agora não tenho pensamento de aceitar ou rejeitar.

No corpo da ilusão descobri Grande Felicidade, agora em minha mente não há sofrimento algum.

Na Auto Mente descobri o Buda, agora em minha mente Samsara (ciclo da reencarnação) não existe mais.'

Milarepa então disse a Rechungpa:

'Sua experiência e compreensão estão próximos da real iluminação, mas ainda não são o mesmo. Experiência Real e compreensão verdadeira deveriam ser assim; e ele cantou 'Os Oito Reinos Supremos':

Canção dos Oito Reinos Supremos

'Aquele que vê que o mundo e o vazio são o mesmo, alcançou o reino da Verdadeira Visão.

Aquele que não sente diferença entre sonho e despertar, ele alcançou o Reino da Verdadeira Prática.

Aquele que não sente diferença entre Alegria e Vazio, atingiu  o Reino  da Verdadeira Ação.

Aquele que não sente diferença entre 'agora' e 'depois', atingiu o Reino da Realidade.

Aquele que não vê que a mente e o vazio são o mesmo, atingiu o Reino de Dharmakaya.

Aquele que não sente diferença entre dor e prazer, atingiu o reino do Verdadeiro Ensinamento.

Aquele que vê os desejos humanos e a sabedoria de Buda como iguais, atingiu o Reino da Suprema Iluminação.

Aquele que vê como a própria mente e o Buda são semelhantes, alcançou  o Reino da Verdadeira Realização.'


Consequentemente, através da Misericórdia e Benção de seu Guru, Rechungpa gradualmente aprimorou em compreensão e realização. Ele então, compôs a 'Canção dos Seis Bardos', no qual ele apresentou a Milarepa seu insight e compreensão final:

'Eu me curvo diante dos Santos Gurus. 

No Bardo (estado de existência entre a morte e o renascimento), onde o Grande Vazio manifesta-se, não há visão realista e nem niilista, eu não compartilho o pensamento dos sectários humanos.

Além de toda a apreensão está a Não Existência agora. Da visão esta é minha firme convicção.

No Bardo do Vazio e da Alegria não há objeto no qual a mente possa meditar, então não preciso praticar a concentração.

Descanso minha mente sem distração no estado natural. Esta é minha compreensão da Prática. 

Não me sinto mais envergonhado diante dos amigos iluminados. No Bardo, com luxúria e sem luxúria, eu não vejo felicidade samsárica, e então, não sou mais um hipócrita, eu não encontrei má companhia alguma.

Tudo o que eu vejo diante de mim tomo como minha companhia. Esta é minha convicção na ação. 

Não sinto mais vergonha diante de um encontro de grandes yogues. Entre vícios e virtudes, não discrimino mais; os puros e impuros são agora para mim iguais. 

Assim eu nunca devo ser falso ou pretensioso. Agora conquistei totalmente a maestria da Auto-Mente. Esta e minha compreensão de Moralidade. 

Não sinto mais vergonha diante da assembléia dos Santos. No reino recém descoberto do Samsara e Nirvana, seres senscientes e os Budas são para mim o mesmo. 

Então, não espero e nem anseio pela qualidade de Buda. Neste momento, todo o meu sofrimento tornou-se um prazer. Esta é minha compreensão de iluminação. 

Não sinto mais vergonha diante dos seres iluminados. Tendo me libertado das palavras  e significados, não falo mais a linguagem de todos os estudiosos. 

Não tenho mais dúvidas em minha mente. O Universo e todas as suas formas agora não aparecem senão como o Dharmakaya. Esta é a convicção a que cheguei. 

Não sinto mais vergonha diante de uma reunião de grandes estudiosos.'


Milarepa estava em grande prazer e disse:

'Rechungpa, esta é de fato a Experiência Real e o Conhecimento. Você pode realmente ser chamado de Discípulo Bem Presenteado. Agora existem três formas nas quais alguém pode agradar seu Guru: Primeiro, o discípulo deve empregar sua fé e inteligência para gratificar seu Guru; então, através do aprendizado inequívoco e da contemplação, ele deve entrar no portão do Mahayana e do Vajrayana e praticá-los com diligência e grande determinação. Então, ele finalmente pode agradar seu Guru com suas experiências reais de Iluminação, que são produzidas passo a passo através de sua devoção.

Eu não gosto do discípulo que fala demais; a prática real é muito mais importante. Até a completa realização da Verdade ser obtida, ele deve fechar sua boca e trabalhar em sua meditação. Meu Guru, Marpa, disse para mim: Não importa o quanto e se alguém sabe grande coisa sobre Sutras e Tantras. É preciso não apenas seguir as palavras e livros, mas a pessoa deve fechar sua boca, seguir sem erro as instruções verbais de seu guru e meditar. Assim, você deve também seguir seu conselho, não esquecendo e colocando-o em prática. Se você puder deixar todos os assuntos samsáricos para trás, os grandes méritos e realizações serão todos seus.'

Rechungpa replicou:

'Querido Jetsün, por favor seja bom o bastante para dizer o que Marpa disse.

Milarepa então cantou 'As Trinta Admoestações do Meu Guru':

'Querido filho, estas são as palavras que Ele me disse :

De todos os Refúgios, o Buda é o Melhor.

De todos os amigos, a fé é a mais importante.

De todos os males, Nhamdog (pensamento perturbador) é o pior.

De todos os demônios, o orgulho. De todos os vícios, difamar.

Ele disse: Aquele que não purifica seus pecados com os quatro poderes, estará atado a vagar no Samsara.

Aquele que, com diligência, não acumula mérito, nunca ganhará a Benção da Liberação.

Aquele que não refreia cometer os Dez Males está atado a sofrer as dores junto ao Caminho.

Aquele que não medita no Vazio e na Compaixão, nunca atingirá o estado do BUDDHADO.' "



Se você gostou, pode assistir também outros vídeos onde Milarepa compartilha seu conhecimento.

Milarepa instrui as Dakinis e aos patronos:

http://www.youtube.com/watch?v=w7RLNBFKiPw&feature=relmfu

Aqui há a estória inteira: (três vídeos)

http://suprememastertv.com/pt/bmd/?wr_id=763&url=link1_2&page=4#v




Boa reflexão.