Escute-me, você que luta para libertar sua alma das amarras do desejo: nos frágeis momentos em que sua alma está pura e livre, ela repousa sobre a palma gigantesca da mão do Budha. Basta um simples pensamento ou recordação para que você caia dali e volte novamente à escuridão do desejo.
Quem quer libertar-se de um desejo tem que descobrir quais são os elementos que constantemente o evocam em sua vida e erradicá-los de si mesmo. Tudo aquilo que, de modo direto ou indireto, se relacione com o desejo tem que ser retirado, dissolvido.
A morte de um desejo perigoso (altamente prejudicial) requer que afastemos de nossas mentes e de nossas vidas tudo o que esteja a ele relacionado. Qualquer elemento levemente vinculado a um desejo atua como um agente de recordação que evoca lembranças adormecidas.
O candidato que almeja livrar-se de um determinado desejo, precisa retirar de si e de sua vida tudo o que possa lembrar esse mesmo desejo, tudo o que o trouxer à recordação, pois tais elementos são sua nutrição e sua própria vida.
O afastamento corresponde ao trabalho de descobrir e dissolver inúmeros "detalhes" (V.M. Rabolú) do desejo, sem reprimi-los. A morte dos detalhes está inserida no próprio ato de apartar-se. Os detalhes correspondem a tudo aquilo que nossa mente possa associar ao desejo, direta ou indiretamente.
Uma pessoa poderia tentar apartar-se dos agentes evocadores mediante a mera repressão e este seria um procedimento equivocado. Propomos que o afastamento seja por meio da observação, descoberta, oração e morte, jamais do mero recalque. Os múltiplos elementos que recordam e evocam um desejo são seus detalhes e necessitam ser dissolvidos e não meramente reprimidos.
Quando tudo o que recorda um desejo é erradicado de nossas vidas, o mesmo deixa de existir em nós.
Limpar a vida de tudo o que se relacione com um defeito ou desejo não é evadir-se de confrontá-lo, como pode parecer à primeira vista. É, antes, afrontá-lo diretamente para retirar-lhe a fonte de vida. A fonte de vida de um desejo são os vários elementos que o recordam e a ele se associam.
Um erro a ser evitado, no trabalho de Morte, é o de estimular um desejo (identificando-se) enquanto se tenta estudá-lo mediante a observação. Trata-se de uma armadilha na qual se enfraquece e se fortifica o desejo simultaneamente. Quem quer libertar-se não pode se deixar enganar desta maneira. O desbloqueio e a não-repressão aos quais sempre nos referimos diferem totalmente do ato de identificar-se com um impulso, estimulá-lo e fortificá-lo. Propomos a Morte (do Ego) e não a vida.
O trabalho exigido é o de, primeiramente, afastar de si, mediante o livre arbítrio (vontade), os elementos que constantemente evocam o desejo e, secundariamente, dissolver as resistências encontradas no caminho, mediante a Morte em Marcha.
Suponhamos que alguém queira se libertar do pernicioso vício da fornicação. Tal pessoa não terá êxito se apenas ocupar-se em eliminar o ato da fornicação em si, negligenciando os outros elementos que a recordem, evoquem ou estejam, de algum modo, a ela relacionados. Tais elementos (características psicológicas e comportamentais) são a nutrição e a própria vida do destrutivo vício. A libertação da pobre alma viciada somente será um fato se forem erradicadas da personalidade (mediante a Morte) TODAS as lembranças, fantasias, pensamentos, falas, hábitos, olhares, movimentos, formas de vestir, leituras, diversões, piadas, brincadeiras, conversas etc. que estejam relacionados ao vício de um ou outro modo. E tal limpeza não é questão de mera repressão, mas sim de observação, descoberta e oração.
Uma vez descoberto e eliminado um detalhe, não devemos, de modo algum, tornar a cometer novamente o pequeno ato que lhe correspondia ou perderemos o pequeno avanço conquistado.
Há um inimigo principal (o desejo em si) e há inimigos secundários que lhe dão força e o alimentam. Os inimigos secundários correspondem a tudo aquilo que possa recordar o desejo, a começar pelos pensamentos.
Portanto, mudamos as atitudes, utilizando a pequena margem de livre arbítrio (vontade descondicionada ou liberdade comportamental) que possuímos e dissolvemos as resistências encontradas no caminho por meio da Morte em Marcha. Não tentamos simplesmente atravessar as resistências à força: as observamos, pedimos e constatamos os resultados.
Sempre que alguém tenta mudar sua conduta, depara-se com as resistências do Ego, sejam detalhes ou desejos principais. Quando, em tais situações, observamos e oramos pela Morte, somos presenteados com muitas constatações.
A primeira e fundamental mudança a ser efetuada é na cabeça, na mente. Um mero pensamento ou lembrança é mais que suficiente para acender um desejo. À mudança na forma de pensar devem seguir-se mudanças em outras esferas da vida.
Morrer é esquecer. De nada adianta tentarmos mudar nossas ações se continuamos evocando o desejo através do pensamento. E os pensamentos não são erradicados pelo mero conflito repressivo.
Para ser mais claro: se você está querendo se libertar de um desejo nefasto qualquer, tem que começar por afastar toda lembrança e retirar de si tudo o que possa recordá-lo. Todo comportamento que, de um modo ou de outro, apresentar alguma relação com o desejo em questão, tem que ser abandonado. Empenhe-se em retirar de sua vida, mediante a Morte, tudo o que possa levá-lo de volta às garras do vício e verá que os resultados serão bons.
Sobre esses múltiplos canais de alimentação e agentes de recordação deve incidir a auto-observação. São centenas e milhares os elementos associados a um desejo e que evocame sua recordação. Se não os observarmos em nós mesmos, jamais os descobriremos.