Durante a meditação, surgem dúvidas na mente, relacionadas com os mais variados assuntos. Estão ligadas a problemas cotidianos que enfrentamos, a desejos que queremos satisfazer etc. As dúvidas estimulam o raciocínio com o intuito de compreender o problema ao qual se referem e assim resolvê-las.
A tendência comum do praticante novato é identificar-se com tais dúvidas, desviando-se da concentração, ou rejeitá-las sem compreender seu conteúdo (reprimí-las) criando um conflito. Ambas as coisas estancam a prática e a fazem retroceder. Obtemos o avanço quando não rejeitamos e nem tampouco nos identificamos com as dúvidas, mas as dissecamos e compreendemos seu conteúdo.
Compreender o conteúdo de uma dúvida é descobrir o que contém, ou seja, é tomarmos consciência do que a consiste. Em que consiste esta dúvida que me assalta neste momento? A que se refere esta dúvida? O que há nela? De que se trata?
Não basta apenas auto-inquirir, temos que buscar a resposta. A resposta já existe dentro de nós mesmos, na própria dúvida. A própria dúvida traz seu conteúdo e o expõe à nossa consciência ao se manifestar na mente. Fazer-se consciente desse conteúdo é o indicado. Não é criando um conflito que a superamos, mas sim "dissecando-a para ver o que escondem de real", como disse o V.M.Samael:
"Durante a meditação, devemos dialogar com a mente. Se alguma dúvida surge, temos de fazer a dissecação dessa dúvida. Quando uma dúvida foi devidamente estudada, quando a dissecamos, não deixa em nossa memória rastro algum, desaparece. Mas quando uma dúvida persiste, quando pretendemos combatê-la incessantemente, forma-se o conflito. Toda dúvida é um obstáculo para a meditação. Mas não será rejeitando as dúvidas que iremos eliminá-las. Ao contrário, é fazendo a sua dissecação para ver o que é que escondem de real." (V.M. Samael Aun Weor, A Revolução da Dialética, cap. 16)
Não avançamos na viagem da meditação se não transcendermos as dúvidas:
"Qualquer dúvida que persiste na mente converte-se numa trava para a meditação." (idem)
À medida em que as dúvidas vão sendo ultrapassadas, a prática vai se aprofundando. Uma dúvida é transformada "em pó" quando é compreendida, mas resiste fortemente quando é simplesmente rejeitada sem compreensão:
"Temos que analisá-la, esquadrinhá-la, reduzi-la a pó... Não será combatendo-a, mas sim abrindo-a com o bisturi da autocrítica, fazendo uma rigorosa e implacável dissecação, que iremos descobrir o que havia nela de importante, o que havia nela de real e o que havia de irreal. Assim, as dúvidas, às vezes, servem para esclarecer conceitos. Quando alguém elimina uma dúvida mediante uma análise rigorosa, quando a disseca, descobre alguma verdade. De tal verdade vem algo mais profundo, mais sabedoria, mais experiência." (ibidem)
Analisá-la é transformá-la em objeto de escrutínio, em alvo de compreensão. Nos ocupamos com ela apenas enquanto existir, mas a largamos tão logo se aquiete por ter sido compreendida. Abrí-la com o bisturi da auto-crítica é questionar-se a respeito. Quando nos questionamos acerca do conteúdo de uma dúvida, e buscamos sinceramente a resposta ao nosso questionamento, a estamos abrindo para que revele o que há dentro. Descobrimos que traz algo de real mesclado a algo de irreal. Este trabalho cognitivo a elimina por meio da transformação. A dúvida se transforma em experiência e nos deixa em paz para prosseguir.
Auto-crítica é o auto-questionamento, a postura crítica em relação a si mesmo. Uma postura crítica é uma postura ativa, em que não se aceita passivamente idéias dadas. A auto-crítica é um bisturi porque nos permite duvidar das próprias convicções, de crenças ancestrais e de paradigmas, abrindo-os para verificar o que escondem. Aplicada às dúvidas interferentes, tem o saudável resultado de transformá-las "em pó", isto é, em nada, no vazio e no silêncio.
O diálogo com a mente
Quando a mente não se aquieta e insiste com alguns pensamentos, temos que dialogar com ela. Temos que interrogá-la sinceramente e deixar que fale. Interrogar sinceramente é perguntar tentando buscar a resposta em nós mesmos, sem evasivas ou justificativas. Trata-se de um auto-diálogo em que somos o inquiridor e a mente é tratada como o sujeito estranho a ser inquirido, embora esteja dentro de nós e seja uma parte de nós (mas não o Real Ser e sim um veículo). Quando interrogamos sinceramente a mente, a resposta para a pergunta surge do inconsciente, pois ali jazia antes do ato da interrogação. Todos temos conhecimento inconsciente, para o bem ou para o mal,e é este conhecimento que fornece a resposta.
Interrogar a mente é o indicado quando ela insiste com algum palavrório inútil. A indagação é referente ao conteúdo do pensamento insistente.
"Elabora-se a sabedoria à base da experimentação direta, na própria experimentação, à base da meditação profunda. Há vezes em que precisamos, repito, dialogar com a mente, porque muitas vezes queremos que a mente fique quieta, fique em silêncio, e ela insiste em suas tolices, em seu palavrório inútil, em continuar a luta das antíteses. É quando se faz necessário interrogar a mente: 'Muito bem, mente, mas o que é que queres? Me responda!' Se a meditação for profunda, poderá surgir em nós alguma representação. Nessa figura, nessa representação, nessa imagem, está a resposta. Temos então de dialogar com a mente e fazê-la ver a realidade das coisas, fazê-la ver que sua resposta está errada, fazê-la ver que suas preocupações são inúteis e que os motivos pelos quais se agita também são inúteis. Por fim, a mente fica quieta e em silêncio." (ibidem)
A mente deve compreender que seu falatório é inutil. O trecho acima me recorda o que disse o V.M.Samael certa vez em uma entrevista, quando o interrogaram a respeito de como silenciar um pensamento que estivesse atrapalhando a meditação. Sua resposta foi: "Compreendendo a inutilidade deste pensamento". É exatamente o mesmo que está sendo dito agora.
Ocorre que nossa cultura mentalista nos ensinou que os pensamentos são importantes e úteis. Tal crença arraigada nos leva a dar extrema importância às bobagens que pensamos. Dos milhões de pensamentos que temos em um dia, menos de 1 por cento servem para alguma coisa. Por considerá-los importantes, os alimentamos e os mantemos ativos o tempo todo. É esta inutilidade que necessitamos compreender durante a meditação.
Quando interrogamos a mente, somos o sujeito que pergunta e somos também o elemento que fornece a resposta. Entretanto, elemento que fornece a resposta deve ser tratado como um sujeito estranho, como algo que não é o Ser: um estranho dentro de nós que, não obstante, é nós mesmos. Há, portanto, uma dissociação. A resposta não virá se não a buscarmos. Qualquer pessoa pode realizar a experiência de dialogar consigo mesma, buscando dentro de si respostas pertinentes a questões pessoais. Um pessoa dividida entre dois amores poderá se perguntar: qual das duas pessoas me agrada mais? Em seguida, ela mesma, se tiver ser perguntado sinceramente, descobrirá a resposta. A resposta já existia dentro dela e ela simplesmente tomou consciência. Entendo que é a este tipo de indagação a que se refere o V.M., porém direcionadas às dúvidas que surgem e aos pensamentos mais renitentes, que insistem e não nos deixam continuar a prática.
Quando dialogamos conosco a respeito de uma dúvida, ela normalmente nos deixa após ser compreendida. Mas há casos em que a mente insiste em pensar, por considerar tais pensamentos importantes. É a inutilidade deste processo que precisa ser compreendida para que a mente silencie. É assim que adentramos ao nosso mundo interior.
Caso ainda assim a atividade mental persista, temos que interrogar a mente ainda mais profundamente, com mais força:
"Mas se notamos que a iluminação ainda não surge, que ainda persiste em nós o estado caótico, a confusão incoerente do palavrório incessante com sua luta de opostos, temos que chamar de novo a atenção mente, interrogando-a: O que queres, mente? O que estás procurando? Por que não me deixas em paz? Há que falar claro e dialogar com a mente, como se ela fosse um sujeito estranho, já que ela não é o Ser. Temos de tratá-la como se fosse uma pessoa estranha. Temos de recriminá-la e de repreendê-la." (ibidem)
É óbvio que os pensamentos, embora inúteis, possuem suas metas. A atividade mental tem seus objetivos, equivocadamente considerados úteis e importantes. É a essas metas que se referem as perguntas do tipo: "O que queres, mente? O que estás procurando?" Quanto mais enérgica e incisiva for a pergunta em sua sinceridade, tanto mais profundamente nos chegará a resposta. A resposta não nos chega por um passivo ato de mágica, mas nos cai se nos tornamos receptivos a ela, como no mencionao exemplo da pessoa dividida entre dois amores. A própria pessoa que está meditando sabe quais são as metas (inúteis) do seu pensamento insistente, de sua mente, mas não se torna plenamente consciente delas até o momento que se auto-questiona.
Sintetizemos, então. 1) Quando os pensamentos interferem, os dissecamos pela auto-crítica; 2) Quanto mais teimosa for a insistência da mente, mais enérgica deve ser a auto-indagação; 3) A auto-indagação deve girar em torno do conteúdo das dúvidas e das intenções da mente pensante; 4) A dúvida nos deixa e a mente silencia quando compreende o caráter inútil de sua atividade.
Quando estamos pensando, não compreendemos a inutilidade dos pensamentos. A mente pensa tanto porque crê que os múltiplos pensamentos são importantes e úteis.
Há situações em que é importante pensar de forma concentrada, quando não se possui outras faculdades superiores ao intelecto (ex. quando temos que encontrar a solução para um problema grave e urgente), mas, via de regra, o pensar disperso e desatento não nos traz vantagem alguma.
Quando tomados por pensamentos insistentes, podemos atenuá-los em grande medida se nos questionarmos com toda a sinceridade: Para que servem estes pensamentos? Quais são as suas utilidades? Em que podem me ajudar a resolver o problema que me incomoda? Se buscarmos as respostas com toda a sinceridade, chegaremos à conclusão de que os pensamentos são, não só desnecessários, mas também um estorvo prejudicial. Estas perguntas, quando dirigidas para a própria mente, terminam por convencê-la de que seus pensamentos são inúteis. O motivo básico pelo qual pensamos tanto é este: nossa mente (uma parte de nós, mas que não é o Ser e nem a Essência ou Alma) acredita que os pensamentos são importantes.
Paralelamente a tais perguntas, podemos também aplicar a dualidade: recordarmos ou pensarmos em algo que torna o pensamento em algo sem importância, alterando seu significado (ex. se estamos pensando em dinheiro para comprar um lindo carro, nos recordarmos de que iremos morrer fisicamente um dia). Assim como certas situações alteram o significado de outras, certos pensamentos também alteram o significado de outros pensamentos. Quando opomos a um pensamento um outro pensamento oposto, que o inutilize, podemos descartar ambos.
De modo que há dois procedimentos para aquietar pensamentos:
- questionar-se sinceramente a respeito de suas importâncias (questionar a própria mente);
- opor aos pensamentos outros pensamentos opostos que os anulem.
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