O mal é o desejo, pois em todo sofrimento há desejo encarcerado. Os doentes desejam a cura, os famintos desejam comida, os sofredores desejam a felicidade.
Não é possível desejar aquilo cuja existência jamais foi sequer cogitada. Essa é a felicidade dos inocentes.
Há uma diferença entre a felicidade daquele que nunca conheceu o mal e a felicidade daquele que experimentou o mal e o superou.
Uma coisa é não desejar algo cuja existência nem sequer suspeitamos, outra coisa é não desejar aquilo cuja existência já nos é conhecida.
Quando comemos do fruto proibido e tomamos consciência de sua natureza desejável, nos tornamos escravos do desejo. A superação do desejo após a consciência experiencial dos prazeres do fruto proibido nos lança em uma espiral superior de felicidade espiritual. Uma coisa são os seres inocentes que nunca saborearam a fruta e outra são as hierarquias que foram escravizadas pelo desejo no passado e o superaram. Tais seres divinos foram expulsos do Paraíso, cairam na escuridão do pecado, mas a venceram.
Retornar conscientemente ao estado paradisíaco e puro é deixar de ter consciência do mal após o mesmo ter invadido nossa consciência. Não tomamos consciência do mal (desejo) para aprisioná-lo em nossa consciência, mas para esquecê-lo, abandoná-lo com o discernimento de que o estamos fazendo. Quem retém o mal em sua consciência, permanece preso a ele por tempo indefinido.
O mal não existe para os Budhas e os seres vitoriosos. Tais seres vivem sintonizados com frequências altíssimas, fora do alcance do mal sob todas as suas formas. O mal existe para as almas que com ele se sintonizam, por bom grado ou à força. Para a nossa infelicidade, o Ego nos aprisionou nas frequências malignas, vibramos em sintonia com o mal, queiramos ou não.
Quanto mais nos ocupamos com o mal, mais força lhe damos. O mal existe para que tomemos consciência de sua existência, nos ocupemos com ele e o abandonemos em seguida, de forma voluntária e intencional. O mal existe para ser abandonado conscientemente, para ser voluntariamente deixado para trás. Os esforços que fazemos para reprimir o mal no mundo o alimentam e o mantem vivo, torturando a humanidade.
As almas que se debatem contra o desejo, lutando pela libertação, ainda não compreenderam que o estão nutrindo por esta via. O desejo morre somente quando não é mais alimentado. De nada adianta a alma gritar, clamar, chorar, debater-se, sofrer e lutar se, ao mesmo tempo, continua ocupada com o mal, alimentando-o. A alma que pensa, fala e protesta contra aquilo que a oprime está se aprisionando ainda mais.
As almas que se libertam do desejo são aquelas que renunciam completamente ao mundo, a todos os objetos sensíveis que evocam lembranças e pensamentos, acendendo dentro dela a chama das paixões. Libertar-se de um desejo não é possível quando não abrimos mão das formas sensíveis que o acordam e o nutrem. Enquanto o objeto evocador do desejo existir para mim, isto é, enquanto houver identificação minha com o objeto, enquanto eu o aprisionar em minha consciência, continuarei a desejá-lo, para deixar de desejá-lo, o mesmo não deve mais existir para mim.
Os objetos do desejo pertencem ao mundo das formas sensíveis: mulheres, dinheiro, bens materiais, beleza, prazeres e tudo aquilo que nos prenda ao mundo físico. Um objeto de desejo é algo sensorial, algo que se percebe, que se vê, que se toca. Uma coisa é nunca ter tido consciência de que um objeto desejável existe, outra é voluntariamente deixar de manter a consciência focada sobre a existência do objeto. Portanto, à medida que vamos morrendo, os objetos de desejo vão deixando de existir para nós, pelo simples fato de que vamos nos sintonizando com outras frequências. Em outras palavras: viramos as costas para o mal.
A auto-observação nos permite tomar consciência de facetas do Ego, não para aprisioná-las em nossa consciência, mas para eliminá-las e esquecê-las para sempre. Tomamos consciência dos detalhes para abandoná-los e não para mantê-los conosco. Quando um defeito morre, seu respectivo objeto de desejo deixa de existir para nós, sofre uma transformação. As palavras de um insultador, por exemplo, não existe mais, se transformam em algo distinto.
Desejamos por não compreender o mal que o desejo ocasiona. O desejo entorpece, confunde, engana.
O mal do qual temos que nos libertar possui dois aspectos: o interior e o exterior. Interiormente, o mal é o desejo, sob todas as suas formas. Exteriormente, o mal são os objetos sensíveis que evocam o desejo.
A alma que, uma e outra vez, cai em tentação, sofre tais derrotas porque, sem se dar conta, continua dando vida ao desejo dentro de si. Inconscientemente, aprisionamos os objetos do desejo dentro de nossa mente, não os largamos. Somente tomando consciência de tal erro é que alcançamos nos libertar. Daí a auto-observação. Dito de outra maneira: não permitimos que aquilo que provoca o desejo, o sofrimento e a dor deixem de existir para nós, mas não nos damos conta do erro. Cometemos o erro sem saber que o estamos cometendo. Acreditamos estar fazendo tudo corretamente e, no entanto, estamos fortificando as grades de nossa prisão, a mesma prisão contra a qual nos debatemos em vão tentando escapar.