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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A necessidade de aceitarmos o que somos

A maioria dos aspirantes espiritualistas almejam atingir estados como o do Senhor Gautama, o Budha, ou do Senhor Jesus, o Cristo. Trata-se de uma meta maravilhosa mas que, curiosamente, pode tornar-se prejudicial se for tomada equivocadamente.

Ser alguém como Milarepa, Krishna, Cristo ou Budha é algo maravilhoso. Mas tornar-se obsecado por tal estado, estando ainda com a consciência adormecida e o Ego bem vivo, é criar graves problemas emocionais e psicológicos para si mesmo.

Nosso estado interior encontra-se muito distante dos elevados níveis dos turyas, santos, mahatmas e mestres. Somos mortais do lodo da Terra. Nossas metas devem ser realistas: pular apenas um ou dois degraus da escada, ao invés de ficarmos dolorosamente contemplando os últimos degraus. Após galgarmos nosso degrau imediatamente superior, teremos condições de galgar o próximo e assim por diante, continuamente e sem limite.

Os mestres não nascem do dia para noite, são o resultado de longos e lentos trabalhos de superação gradativa diária de si mesmo. normalmente ao longo de mais de uma existência. Esses estudantes que se torturam emocionalmente porque não conquistaram a maestria e nem mesmo o adeptado em 10 ou 20 anos, estão fora da realidade, alimentam perspectivas irrealistas. Analisemos mais de perto tal equívoco.

As perspectivas irrealistas escondem egos bons, que sentem urgência em avançar espiritualmente e nos torturam por não fazê-lo. Tais egos têm pressa no avanço espiritual, não por amor verdadeiro ao Ser e nem por um desejo intenso de unir-se a Ele, mas porque cobiçam as benesses da consciência desperta. Analisando tais defeitos, poderemos descobrir muito egoísmo disfarçado de impulso espiritual. Tais defeitos almejam uma libertação imediata da fornicação, da gula etc. Embora tais objetivos sejam nobres, legítimos e sublimes, podem se transformar em obstáculo ao crescimento interior, caso se tornam obsessões. Ao se tornarem obsessões, esses Egos rompem completamente com Egos contrários, que almejam a fornicação e a degeneração, e originam doenças emocionais de vários tipos.

Poderíamos denominar tais egos de "imediatistas". São eus de pressa, voltados especificamente à questões espirituais. Confundem-se facilmente com manifestações legítimas da essência e nos mostram que "entre o incenso da prece se esconde o delito" (V.M.S.). Realmente, o delitos se disfarçam de mártir e até se vestem com a túnica do Cristo, com o único propósito de nos fazer estancar espiritualmente.

Por incrível que pareça, há, dentro de nós, ao lado dos eus da luxúria, eus que rejeitam a fornicação e almejam a castidade e todas as demais virtudes. São egos moralistas que querem nos manter dentro dos preceitos do que aprendemos ser moralmente correto, de acordo com a lei do homem ou com a Lei de Deus.

Portanto, em nosso interior os egos formam polaridades: alguns querem nos arrastar para a direita e outros para a esquerda, alguns querem obedecer rigidamente à moral, enquanto outros querem subvertê-la completamente.

Aquele que principia o trabalho da morte pode tornar-se interiormente dividido, cindido, caso se ocupe em eliminar somente os eus imorais e tome partido dos eus moralistas/imediatistas. O imediatismo poderá criar sérios distúrbios emocionais ao estudante que se polarizar, uma vez que sua meta imediatista de tornar-se subitamente um budha jamais se realizará. O conflito entre as possibilidades reais de crescimento e a obsessiva intenção de crescer com urgência originará o distúrbio. Quando a realidade se choca com nossas obsessões, algo ruim sempre nos espera.

Tenho observado que muitos estudantes gnósticos desenvolveram distúrbios psiquiátricos com o passar dos anos e atribuo os mesmos principalmente ao obsessivo imediatismo, embora possam haver também outras causas. Depressão, ansiedade e outros transtornos, em um estudante gnóstico, podem estar relacionadas à uma cisão violenta entre os egos moralistas e os egos imorais. Como resolver? Dissolvendo os egos de ambos os lados.

Seria interessante informar também que o sentimento de culpa não é arrependimento. A culpa possui um referencial egoísta: o temor de sermos prejudicados pelos nossos próprios atos. O arrependimento vai além: quando nos arrependemos, não queremos mais realizar o ato prejudicial.

Entendo que a culpa é um defeito, um ego. Se me sinto culpado após realizar algo errado, isso se deve a crenças que carrego a respeito do caráter delituoso daquilo. Detalhando, esquadrinhando e explorando a culpa, descobrimos que sua natureza não é a mesma do arrependimento e nem do remorso.

Sentir-se culpado é sentir-se responsável por algo prejudicial ou errado. Esse sentimento, embora pareça sublime, é um sentimento inferior, composto por emoções inferiores. Os critérios a respeito do certo e do errado são construções culturais do Eu. Temos que eliminar a culpa, para que o arrependimento verdadeiro tome o seu lugar.

A culpa e o remorso podem se misturar, mas ainda assim são distintos. O remorso é o princípio do arrependimento, enquanto a culpa é algo assim como uma preocupação ou tristeza porque nos sentimos responsáveis por algo prejudicial a nós mesmos ou ao outro. A culpa não é exatamente a vontade de não realizar novamente o ato que reprovamos. Para diferenciar ambos, basta verificarmos o teor real do que sentimos após cometermos um erro: sentimos medo de suas consequências ou vontade de não realizá-lo mais?

Os egos imediatistas podem se vincular estreitamente aos eus de culpa, até mesmo se confundindo com eles. De todas as maneiras, correspondem àquela parte nossa que nos leva a ficar lamentando a perda de tempo e os fracassos, impedindo-nos de arregaçarmos as mangas e nos pormos à ação. Enquanto ficamos nos lamentando e pensando a respeito dos nossos fracassos, erros, perdas ou caídas, perdemos o tempo inutilmente na inércia e deixamos de agir.

O trabalho interior é realizado à base de pura ação, sem sentimentalismos lamentosos que nos estancam e nos atrasam.

Tomada pelo imediatismo, a pessoa não suporta seu estado atual. Ao invés de aceitá-lo em seu cru realismo, tenta desesperadamente evadir-se. Transforma isso em um grave problema emocional e sofre muito. Não aceita sua crua realidade interior, a rejeita por não compreender que a aceitação é o primeiro passo para a transformação. Se não aceitarmos o que realmente somos no atual estágio, se não admitirmos a realidade crua e desagradável do nosso estado interior, jamais podermos transformá-lo. Transformar-se é compreender e compreender é aceitar uma dada realidade que não se aceita e contra a qual erigiu-se muitos muros, defesas e resistências.

Na verdadeira Morte do Ego, retiramos tudo o que nos prejudica, sem piedade, mesmo que se trate de algo com aparência espiritual ou sublime. Não nos orientamos pela moral e nem pelo politicamente correto, nos orientamos unicamente pela compreensão. O trabalho consiste basicamente em vigiar e orar (observar e pedir à Mãe Divina), e não em cultivar sentimentos negativos de culpa, tristeza, derrotismo e fracasso. Se não formos capazes de realizar avanços fenomenais nesta existência, aceitemos os avanços que conseguirmos. O que importa é sempre estarmos melhorando mais, dia após dia. Se certos defeitos graves e reprováveis persistem, não importa. Melhoremos em outros aspectos, enquanto prosseguimos trabalhando sobre os renitentes, de forma disciplinada mas sem pressa. Há defeitos que levam vários anos e até uma vida inteira para serem dissolvidos.

O estudante que avança é aquele que sabe ser altamente disciplinado sem ter pressa alguma, que aceita sua crua realidade e opera sobre ela de forma realista, não fantasiando avanços absurdamente velozes. Aquele que procede assim, verificará que, quando menos espera, já realizou um grande avanço.

Não estou, de modo algum, desculpando os defeitos ou tratando de incentivar a negligência com relação ao mal que trazemos dentro. Estou unicamente chamando a atenção para a necessidade de sermos realistas, não pendendo para os extremos do otimismo e nem do pessimismo. Um otimista inconsciente, extremista, será negligente e fará muito pouco por si mesmo. Um pessimista extremista, será derrotista e igualmente fará muito pouco por si mesmo. Precisamos do equilíbrio, do caminho do meio, da síntese. E a síntese é uma postura realista.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Sobre o desapego a este mundo

Temos que alcançar a aceitação das perdas, nos tornarmos dispostos a perder tudo. No final, tudo o que conhecemos deste mundo nos será tirado, não há saída, não há alternativa, além de aprendermos a conviver com essa fatalidade.
A aceitação da perda implica em morrer completamente em si mesmo. Mas não poderemos morrer para este mundo se não chegarmos a compreender que o mesmo é uma ilusão, que não é de modo algum como se nos apresenta.
Isso que chamamos de "meu mundo", meus amigos, minha família, meu emprego, minha amada, meus entes queridos, meus prazeres, minhas diversões enfim, minha vida (horizontal), não passa de um engano, uma ilusão, melhor dito: uma mentira. Mas não compreendemos isso e o tomamos por uma verdade, e é justamente aí que reside o nosso sofrimento. Sofremos porque damos importância ao que não existe, ao que é falso. E lhe damos tal importância porque cremos ser real.
Aquilo que entendemos como sendo nossa vida horizontal é um conjunto de imagens e significados e não coisas em si mesmas. Nossa consciência está aprisionada no mundo relativo das formas e não alcança penetrar na realidade maior. Não somos capazes de perfurar o véu da ilusão para penetrar no mundo verdadeiro. Como consequência, não conhecemos o mundo verdadeiro e, aos primeiros contatos com o mesmo, o tememos. Tememos o desconhecido e nos sentimos à vontade no mundo conhecido, o qual entreanto é falso. Em outras palavras: nos sentimos à vontade no mundo de mentira.
Eliminar os sentimentos de apego à vida e à matéria é importante, mas não é tudo. Há que se desenvolver conscientemente em outras dimensões, adquirir uma vida consciente paralela em outros mundos e ali estabelecer alicerces. Nós, adormecidos humanóides ignorantes do lodo da Terra, estabelecemos nossa base no mundo físico. Amamos a vida física, adoramos o corpo, os prazeres e as sensações. O mundo sensorial é aquele em que nos sentimos familiarizados.
Entretanto, cedo ou tarde seremos arrancados deste mundo sensorial. Então, necessitamos estabelecer bases mais sensatas, no interno.
Os inexperientes e desconhecedores imaginam que o mundo exterior, o sensorial, seja o mundo real e objetivo. Ignoram que não percebem os objetos em si (por ex. seus parentes e amigos), mas sim imagens fabricadas pelos seus cérebros, imagens que correspondem tão somente a uma parcela ínfima do que as coisas são em si mesmas. Em si mesmo, qualquer objeto existente é inacessível, pois seu aspecto absoluto é infinito.
Deste modo, compreender a nulidade deste sistema de coisas é parte fundamental para se adquirir a verdadeira felicidade. Somente o conseguiremos se morrermos muito em nós mesmos e nos desenvolvermos conscientemente na parte espiritual.