A interrupção do fluxo mental pelo esgotamento de idéias
Às vezes, durante a concentração, o fluxo do pensamento único chega até um ponto e fica interrompido pela falta de idéias sobre o lakshya. Isso não significa que tenhamos atingido o não-pensamento, significa tão somente que estamos presos ao nível intelectual e não estamos conseguindo ir além, aprofundando a prática.
Quando faltarem idéias para compor o pensamento único durante a concentração, procure características intrínsecas ao lakshya que ainda não foram consideradas. Elas darão continuidade ao curso do pensamento.
Convém iniciar o aprendizado da concentração pensando em algo sobre o qual tenhamos bastante informação. Quanto mais informação tenhamos sobre algo, menos propensos seremos de sermos atingidos pela interrupção súbita do fluxo mental.
O que interessa é aprender a ultrapassar as barreiras da concepção superficial, extraindo informações da mente com crescente profundidade, de forma a compreender e conhecer cada vez mais o lakshya, até o momento em que o pensamento único se esgote.
Há uma diferença entre o fluxo mental que se esgota espontaneamente, dando lugar à meditação, e o fluxo que é interrompido bruscamente sem ter sido esgotado.
O pensamento concentrado em um tema é imaginação consciente, os pensamentos dispersos são imaginações mecânicas.
É comum, durante a concentração, que nos faltem pensamentos (imaginações conscientes) sobre o lakshya e que sobrem pensamentos inúteis sobre o que não nos interessa. O asno da mente tenta sabotar a prática porque quer seguir seus erráticos caminhos subjetivos e inúteis.
Quando o asno da mente se recusa a prosseguir pensando no lakshya, temos que empurrá-lo para frente com pensamentos propositais e voluntários. Se, ainda assim, nada novo nos ocorrer sobre o assunto, podemos tentar "abrir a imagem mental".
Suponhamos que eu queira meditar na planta do bambu. O bambu será, então, o meu lakshya. Começo a concentrar meus pensamentos no bambu e, dali há instantes, o pensamento deixa de fluir, nada mais sobre o bambu me ocorre, mas também não recebo nenhuma revelação e, para piorar, pensamentos alheios ao tema começam a aparecer. Como eu daria um empurrão adicional à mente para que ela continuasse a pensar no bambu?
Primeiramente, traria minha imaginação de volta ao bambu (pois imaginar é uma forma de pensar). Em seguida, começaria a extrair da imagem mental seus detalhes. Perguntaria para mim mesmo: Qual é a cor do bambu imaginado? Qual é o seu estado? Em que ambiente está o bambu? O bambu está limpo ou está sujo de terra? Está empoeirado? Está seco ou verde? É a imagem de um bambu recentemente cortado ou de um bambu seco e envelhecido? O estou visualizando sob a luz do dia? Infinitas outras perguntas poderiam ser feitas. As respostas sinceras a tais perguntas fariam com que a mente retomasse novamente o seu fluxo.
Eu poderia também, imaginativamente, partir o bambu ao meio e esquadrinhá-lo por dentro. O que há ali dentro? Como é esse bambu interiormente? Em seguida, posso imaginar mil e uma maneiras do bambu ser usado pelas pessoas: para levantar varais de roupas, como alimento, para construção de casas, para surrar alguém malcriado (risos), como uma vara de pesca. Talvez me ocorra descobrir qual é a função do bambu na natureza e então me dê conta de que ele serve de alimento para certos animais ou algo assim.
O que importa, quando o asno empaca, é encontrar aquilo que ainda não foi cogitado, aspectos do lakshya que ainda não foram imaginados, questionados ou pensados. O passo do asno irá destravar quando descobrirmos algo novo sobre o tema. Qualquer conteúdo ou aspecto que estiver intrinsecamente ligado ao bambu será válido e poderá ser acolhido.
Caso as imagens do bambu estejam sendo visualizadas com certa nitidez, podemos experimentar entrar em seus detalhes morfológicos como se o observássemos com um microscópio. Escolhemos uma parte qualquer do bambu e tentamos "vê-la mais de perto", isto é, ampliá-la, com o intuito de descobrirmos o que há ali, quando observado a uma escala microscópica. Se a concentração estiver profunda, poderemos ver pequenos canais por onde circula sua seiva, talves vejamos suas células, partículas ou algo assim. Tudo isso imaginativamente.
Deixemos de lado a preocupação com o fato dos conteúdos imaginados corresponderem ou não com a realidade. Nossa preocupação agora é somente disciplinar a mente e atingir níveis profundos de concentração. Depois, caso queiramos, podemos confrontar o que imaginamos com fatos reais do mundo físico (abrindo um bambu fisicamente para ver se corresponde com o que imaginamos ou olhando seus pedaços em um microscópio, por exemplo). Ainda que não exista grande correspondência entre o que imaginamos durante a prática e aquilo que constatamos posteriormente, por meio do microscópio, não haverá problema algum, pois nossa meta é chegar ao pensamento único para descartá-lo em seguida. O bambu é apenas um ponto de apoio.
Enquanto estivermos com a imaginação direcionada sobre o lakshya, tudo o mais deve ser esquecido: o corpo físico, as doenças, as tristezas, os problemas, as preocupações da vida, o lugar onde estamos, a época ou data em que estamos, o passado, o futuro etc. O desprendimento deve ser total. Somente deve existir o alvo da imaginação, aqui e agora.
Em fases mais profundas da concentração, pode ser que sintamos uma indefinível sensação de podermos ir além do bambu para capturarmos algo que não conseguimos definir o que é, mas que pressentimos estar "depois" ou "além" dele. Se não tivermos medo, podemos transpor essa passagem e já estaremos no começo da meditação propriamente dita. Estaremos então meditando de fato no bambu e muitas coisas interessantes serão reveladas. As pessoas experientes permanecem por certo tempo neste estado, mas os principiantes experimentam apenas "flashes" momentâneos, pois retornam quase imediatamente após entrarem.