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domingo, 4 de agosto de 2013

Etapas didáticas da meditação

Uma prática completa de meditação possui várias fases, desde a postura até a meditação propriamente dita. Após a meditação, ainda temos outros estágios mais profundos que não podem ser descritos por meio de palavras das línguas ocidentais.

Antes de mais nada, você deve escolher o tema (lakshya) em que irá meditar e uma postura ideal (asana) para fazê-lo. É claro que o ideal são temas sátwicos (sagrados e espirituais), mas podemos começar com temas mais concretos para compreender melhor como se realiza uma concentração. Um tema que nos faça bem e no qual pensemos com certa facilidade poderá servir.

A postura ideal deve, em primeiro lugar, permitir que você respire sem problemas, mesmo nos estágios mais avançados, quando você estiver bem longe do corpo e dos sentidos. Uma postura que não permite que o corpo respire com facilidade em sono profundo irá atrapalhar e estancar a prática, pois o praticante terá que interromper e retornar ao estado comum para ajustar a posição da cabeça, do pescoço ou algo assim. Em segundo lugar, a postura não deve permitir incômodos, tais como dores ou circulação sanguínea obstruída. Um braço, uma perna ou o pescoço mal posicionados poderão apresentar dor ou dormência, o que irá atrapalhar. Podemos meditar sentados ou deitados, o que importa é termos uma boa posição que não incomode quando o relaxamento atingir níveis bem profundos. Meditar não é muito diferente de dormir, embora seja algo consciente. Particularmente, acho muito estranha essa idéia de dissociar meditação de sono e de concebê-los como coisas contrárias e incompatíveis. Quem realmente sabe meditar, dorme e descansa enquanto medita sem problema algum, na verdade dorme mais profundamente.

Uma vez escolhida a postura ideal, devemos iniciar o trabalho de relaxar os músculos. Para tanto, temos que tomar consciência das tensões musculares que possuímos e descartá-las. Começando pelos pés, vamos descobrindo e afrouxando tensões de todo o corpo, abandonando-as. Como começamos a prestar atenção específica, podemos também sentir algumas dores que antes não estavam sendo percebidas e isso é normal. 

Nesta fase, muitos sentem comichões, coceiras e vontade de se mexer. O motivo é que a pessoa está pondo a atenção nesses processos ao invés de direcioná-la às tensões musculares. Quando a pessoa se volta completamente para o relaxamento, os pruridos desaparecem.

Na etapa do relaxamento utilizamos nosso poder de concentrar a atenção, porém não entramos ainda na etapa da concentração propriamente dita. O que se passa é que direcionamos nossa atenção ao corpo, aos músculos, e vamos nos tornando conscientes de nossas tensões. Não podemos negligenciar esta etapa, pois a mesma, quando concluída, irá nos liberar da identificação com o corpo físico.  O que importa é chegarmos a um relaxamento profundo, a uma libertação das tensões. 

Se ocorrerem algumas percepções alteradas durante o relaxamento, não se assuste, pois isso é normal. Sensações de formigamento e impossibilidade de mover-se são comuns, sendo na verdade manifestações do sono biológico. Caso ocorram, não se importe e aprofunde ainda mais o relaxamento. É possível que você comece a sentir um princípio de ananda (felicidade espiritual) 

Uma vez que tenhamos conseguido um relaxamento razoável, passamos agora à etapa de nos desligarmos dos pensamentos. Como a mente está em ebulição, convém tomarmos consciência dos pensamentos que vão desfilando em nossa mente, "rotulando-os" à medida que passam. Não devemos nos identificar com os pensamentos e isso significa que temos que ser neutros, nem contra e nem a favor dos mesmos, simplesmente observá-los de fora, sem compromisso algum. Tanto aquele que se detém com os maus pensamentos, lutando com eles para silenciá-los, como aquele que gosta e "curte" os maus pensamentos, se divertindo em saboreá-los, está preso eles e não pode abandoná-los. O trabalho de observar os pensamentos vai retirando a consciência dos cinco sentidos e concentrando-a nos processos internos. Aqui principia o que se chama "pratyahara", que é o desligamento dos indryas (sentidos externos) e o direcionamento da consciência para dentro, para o mundo interior, que na verdade é o outro mundo.

Quando o pratyahara está bem estabelecido, o praticante já desligou seus cinco sentidos externos comuns: ele não ouve, não vê e não sente mais o mundo físico e, às vezes, nem mesmo o corpo físico. É aqui que algumas vezes somos assaltados pela paralisia do sono e podemos começar a ter percepções alteradas e incomuns. Normalmente, o praticante sente muito medo, crê que está morrendo e não vai além desta etapa. São percepções alteradas comuns nesta fase: estar paralisado e não conseguir mover-se, ver com os olhos fechados, ouvir sons estranhos, ter a sensação de que o corpo está em outra posição, achar que se está em outro lugar, ter flashes de cenas da infância, recordar-se de traumas e perdas, lembrar-se de algo que atemorizante, sentir-se flutuando etc. Se você quiser ir além de uma prática superficial, terá que  manter-se neutro e indiferente em relação a todas essas percepções, como fez o Buddha Gautama embaixo da Árvore, e deixá-las todas para trás. Você deve ir atrás de sua meta e não perseguir mais nada.

O próximo passo é começar a pensar e prestar atenção (com os olhos fechados) no alvo ou objeto de concentração (lakshya). Embora o poder de concentrar a atenção já fosse empregado desde a etapa do relaxamento, é agora que a concentração mais plena, tanto da atenção e da percepção como do pensamento, se faz mais necessária. O lakshya adequado é aquele que nos eleva, no qual pensamos com certa facilidade e profundidade. Um tema negativo e carregado, embora seja um alvo fácil para concentração, certamente nos levará para baixo ao invés de nos deixar sátwicos e provocará experiências ruins, sonhos maus e pesadelos oriundos de pensamentos malignos. Temos que apartar a mente de todo o mal, não levar a mente ao que prejudica. 

Ao pensarmos no lakshya, não necessitamos articular os pensamentos através de palavras mentais, podemos simplesmente utilizar a imaginação para visualizar processos, sem o recurso da conversa interior. Se você emitir um mantram mentalmente, esse "som" pronunciado internamente será o seu pensamento único e você poderá ouvi-lo com a clariaudiência incipiente que todo ser humano possui. Se você imaginar uma cachoeira, as imagens e sons internos da cachoeiras são mais que suficientes e você não precisará conceituar e nem conversar consigo mesmo, mentalmente, sobre a cachoeira. O que importa é que a imaginação flua. Com o fluir da imaginação, vem a reflexão serena e silenciosa sobre o tema.

Muitas interferências mentais podem ocorrer para tentar nos desviar nessa etapa. Imagens de lindas mulheres, de problemas familiares, de compromissos, de perigos, de ameaças, de doenças etc. tentam absorver nossa atenção e nos desviar da meta. Se continuamos focados no que nos interessa, atravessaremos essa fase e cada vez mais a concentração se aprofundará. Então só restarão imaginações referentes ao tema em que estamos meditando e nada mais. Teremos nos libertado de todos os demais pensamentos.

Quando a mente fica completamente tomada pelo pensamento em algo, termina experienciando diretamente aquilo em que pensa. Quando isso ocorre, há uma perda temporária de identidade (pois estamos começando a sair da mente e do Ego) e isso nos assusta, principalmente no começo.

Quando a concentração está perfeita, tendo todos os demais pensamentos sido deixados para trás, estamos na fase denominada Dharana. Em uma perfeita Dharana, não há percepção do mundo físico, do corpo e nem de nada mais que não seja o objeto de concentração, mas ainda não saímos da mente.

Sabemos que nosso propósito, ao meditar, é sairmos da mente. Sair da mente é deixar os pensamentos para trás, esquecê-los, nos desligarmos deles. Em Dharana, ainda resta um pensamento único, que apresenta vários sub-pensamentos, todos dentro do mesmo tema. A mente ainda está nos prendendo, como uma corda amarrada ao pé de um pássaro. Se quisermos ir além e descobrir o que há além daquele pensamento, temos que abandoná-lo.

O pensamento restante, por mais concentrado que esteja, ainda não é a realidade. Esse pensamento único pode realizar prodígios, produzir insights, revelações, soluções, pode afetar até o funcionamento do corpo físico, mas ainda não é a realidade sobre o tema. A realidade está além de qualquer pensamento. Todo pensamento é parcial, polarizado e possui seu contrário. Para abandonar o pensamento restante, temos que encontrar seu pólo oposto e confrontar ambos, transcendendo a dualidade e compreendendo que ambos são um. Ao compreendermos o caráter ilusório do pensamento que havia sobrado, nos libertamos da mente e caímos em Dhyana, que é a meditação propriamente dita. 

Em Dhyana, compreendemos a realidade sobre o objeto da meditação, a qual está além da mente, de conceitos, de idéias, de opiniões, de pontos de vista, de raciocínios etc. porém esta mesma realidade possui níveis e níveis infinitamente mais profundos, os quais são acessados somente em estágios posteriores ao da meditação. Em Dhyana há reflexão pura, sem conceitos, o que nos permite experimentar os primeiros aspectos da Realidade.