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domingo, 8 de abril de 2012

Concentração: prolongar e desligar-se

Lakhsia é o tema ou objeto da concentração, aquilo em que focalizamos nossa atenção e a respeito do qual estaremos pensando. Se eu me concentrar em uma rocha, a rocha será o meu lakhsia.

Aqueles que querem desenvolver a concentração necessitam dedicar-se a dois aspectos importantíssimos desta prática:

1. a permanência do lakhsia no campo da consciência;

2. o desligamento e o esquecimento de tudo o que não seja o lakhsia, incluindo o corpo físico.

Existe uma consciência central e uma consciência periférica. Às vezes o lakhsia adentra a zona da consciência central, mas outros objetos ainda continuam sendo percebidos pela consciência periférica. Somente quando todos os objetos não incluídos no tema forem completamente esquecidos é que a concentração será plena. A consciência periférica e a consciência central devem perceber somente o lakhsia e tudo o que for intrínseco ao mesmo.

O segredo para aprofundar a concentração e trazer percentuais dispersos de atenção para o lakshia é manter e prolongar a percepção consciente sobre o mesmo. Pensamentos que dizem respeito diretamente ao tema devem ser aceitos, enquanto os pensamentos que não dizem respeito diretamente devem ser abandonados, ainda que possam apresentar alguma relação distante. Não devemos seguir as associações entre temas, o pensamento e a atenção devem fluir sobre um tema único, que é o objeto de nossa concentração.

Se estou pensando em uma coisa, estou concentrado naquilo. Se estou pensando em várias coisas, não estou concentrado em nada, estou disperso. A capacidade de concentração já existe em forma natural e não-desenvolvida em todas as pessoas, é um poder que está atrofiado. Se não existisse o gérmen da concentração nas pessoas, não seria possível desenvolvê-la.

Se quisermos esquecer tudo o que existe, menos o lakhsia, temos que começar por mantê-lo no campo da consciência e prolongar sua permanência. Uma pessoa comum, destreinada, é capaz de inseri-lo no campo de consciência por breves instantes, mas não é capaz de mantê-lo. O que queremos desenvolver é justamente a capacidade de prolongar a permanência no lakhsia.

Aqueles que, como eu, desejam desesperadamente o sucesso nas práticas de concentração e meditação, poderão ficar ansiosos para "segurar o objeto e não perdê-lo". Apesar da intenção louvável, essa ansiedade criará uma tensão que estancará o desenvolvimento, além de provocar algumas dores de cabeça. A permanência no lakshia não é uma questão de fazer força, é uma questão de "saber como". Uma chave: procurar sentir que o lakshia se estabelece na consciência à medida que você relaxa e se entrega cada vez mais à prática. Em outras palavras: você não "prende" o lakshia em seu campo de atenção, você simplesmente permite que ele fique lá. Não há nada adicional a fazer ou a não fazer. O ideal é não fazer esforço de espécie alguma para mantê-lo. Deixe que ele se mantenha por si mesmo. Se houver desvio de atenção, retome o objeto novamente e prossiga.

Manter a atenção focada prolongadamente sobre um objeto é como pegar um hamster com a mão, retirá-lo do chão e colocá-lo sobre uma mesa para observá-lo. Você o deixa lá, sobre a mesa, retira a sua mão e não interfere senão no momento em que ele ameaça descer da mesa. O que você quer é mantê-lo livre sobre a mesa e não segurá-lo ali com a mão.

O simples ato de focar a atenção e prolongá-la, fará com que, gradualmente, os demais objetos sejam esquecidos. No entanto, isso leva tempo e não ocorre imediatamente, como gostariam os ansiosos.

Temos que aprender a prolongar a atenção sem fazer força, o que requer a compreensão de um trabalho psicológico qualitativamente específico e que não sou capaz de descrever. Creio que não existem palavras para descrever o que seria manter a atenção contínua sem estar preocupado em mantê-la. O que importa é prolongar, prolongar e prolongar, de forma despreocupada.

Quanto mais prolongarmos, mais esqueceremos de todo o resto. Chegará um momento em que nada mais existirá para nós, somente o tema do nosso interesse. Tudo o mais terá sido esquecido, estaremos desligados.

Existe a concentração em objetos concretos e a concentração em objetos abstratos. Podemos começar treinando com um som contínuo concreto (físico) prestando atenção nesse som e prolongando sua permanência em nossa consciência. Depois podemos passar para sons alternantes, como os sons de uma música ou o canto dos pássaros. Quando a atenção estiver bem desenvolvida, podemos passar a nos concentrar em objetos abstratos.

Objetos abstratos são objetos puramente internos, psicológicos, e que não são percebidos fisicamente, com os cinco sentidos externos. Dito de outra maneira, são objetos imaginados ou pensamentos escolhidos. Escolhemos alguma coisa boa e dignificante, que nos interesse muito, e começamos a pensar somente naquilo e em mais nada. Deixamos que o pensamento se desenvolva sem se desviar e o prolongamos ao máximo. Conforme o pensamento se prolonga, surgem múltiplas imagens e cenas do objeto, em diversas situações e circunstâncias. Imagens e cenas sobre o lakhsia são aceitas, imagens e cenas sobre outros assuntos são abandonadas. Quando a mente se desvia, a focamos novamente. Assim, a concentração vai se prolongando. As atenções periféricas dispersas vão sendo recolhidas e tudo o mais vai sendo abandonado, esquecido. Concentrar-se é esquecer, abandonar, e é, ao mesmo tempo, acordar para aquilo com que nos ocupamos. É como abrir um aspecto da realidade com uma lupa, para conhecê-lo, estudá-lo e compreendê-lo mais e mais.

Quando andamos por uma cidade grande, ouvimos muitos sons altos e não notamos certos detalhes sonoros sutis. Se nos concentramos em um som fraco e sutil específico, começaremos a perceber detalhes antes não percebidos, nossa audição irá se apurar. A concentração funciona como uma lente, que "abre" ou amplia um aspecto qualquer da realidade para a consciência.

Se você ficar tenso para prolongar a atenção e mantê-la no objeto, irá logo desfocar-se porque sua tensão terá se tornado sua maior preocupação. Até mesmo a preocupação em não desviar-se deve ser abandonada. Quem se preocupa muito em se concentrar acaba transformando essa preocupação em prioridade, em detrimento do verdadeiro lakshia.

Se, em plena prática, ainda estivermos percebendo objetos e temas periféricos, isso indica que a concentração ainda não atingiu o nível máximo esperado. Quando tudo o mais for esquecido, então você estará plenamente concentrado. Estará insensível, surdo e cego para o mundo, mas plenamente consciente do objeto que lhe interessa. E poderá voltar a esta realidade a qualquer momento, bastando para isso querer. Se ficar com medo ou preocupado com o seu retorno, voltará imediatamente. É um estado no qual é difícil entrar mas do qual é muito fácil sair.

Você poderá sentir emoções intensas relacionadas com o lakhsia e isso é normal.

Portanto, prolongar e esquecer são dois pilares fundamentais da prática da concentração.


Somente com o ato de prestarmos atenção em algo já estamos nos concentrando naquilo. Se formos destreinados, a concentração irá durar apenas alguns segundos antes de ser desfocada, mas será uma concentração verdadeira, embora curta. Portanto, quem quiser compreender o que é uma concentração correta e verdadeira deve apenas prestar atenção em algo e saberá o que é concentrar-se. O importante é desligar-se de tudo o que não seja o lakshya.

Evite fazer esforços para aprofundar e prolongar a concentração, apenas receba o objeto com suavidade, perceba-o conscientemente. Deixe que a concentração se aprofunde por si mesma. Se a mente desviar-se do tema, traga-a de volta.

Concentração não é contração. Cuidado com a semelhança entre as duas palavras. A semelhança entre os termos pode nos influenciar subconscientemente e nos induzir a associar concentração com esforços mentais violentos. Um esforço mental violento produzirá tensão muscular e dores de cabeça. O conflito com a mente estanca a prática da meditação.

Aprofundar a concentração não é fazer força para concentrar-se mais, é esquecer o que ainda não foi esquecido.

E normal que surjam pensamentos de todos os tipos, inclusive pensamentos do arco da velha, relacionados com fatos da infância ou de anos deixados para trás. Eles surgem para que você os esqueça. Não lhes dê importância. Dissocie-se das lembranças e dos pensamentos, atenha-se somente ao tema.

Quando procuramos nos concentrar, pensamentos de todo tipo e os mais absurdos desejos e emoções (consequências de tais pensamentos ou recordações) podem atravessar o nosso caminho. Isso é absolutamente normal e não deve causar preocupação. O praticante não deve preocupar-se com tais pensamentos e lembranças e nem ocupar-se com os mesmos para combatê-los, por mais absurdos e inaceitáveis que sejam. Deixe que eles passem e desapareçam. Não tente reprimi-los e nem tampouco os reforce, fique indiferente, neutro, não seja contra e nem a favor, não reaja aos mesmos. Se cometer o erro de lhes prestar atenção, ficará identificado e os reforçará. O melhor é simplesmente dissociar-se, esquecê-los e continuar mantendo a atenção e a mente sobre o lakshya.