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quinta-feira, 14 de maio de 2009

A Morte do Eu é o Esquecimento

O esquecimento na Morte do Ego

A morte do Eu é o esquecimento. Mesmo recordações boas relacionadas com o desejo, incluindo a curiosidade em analisá-lo, podem atraí-lo ao espaço psicológico. Quando não estamos identificados com um defeito, devemos esquecê-lo completamente, evitando evocar lembranças, ainda que altruístas e positivas, que lhes estejam vinculadas de qualquer forma, mesmo que pareçam muito necessárias. As possessões se iniciam por recordações sutis. A simples cogitação da possibilidade de retorno do desejo expulso (enfraquecido) inicia o processo de atração. A vigilância dos atos visa eliminar as recordações, principalmente as sutis. Até mesmo dúvidas, curiosidades e indagações a respeito do defeito podem atraí-lo à possessão.

É melhor e muito mais fácil evitar a possessão do que tentar revertê-la após ter se instalado. A análise de um eu se justifica apenas quando a possessão já está instalada, caso em que se faz premente a necessidade de expulsar o elemento psíquico invasor. A expulsão se dá em proporção direta ao enfraquecimento. A debilitação do poder despótico de um agregado psíquico (complexo autônomo ou defeito) se verifica à medida em que se aprofunda a compreensão de suas múltiplas facetas ou aspectos. Compreender as múltiplas facetas é tomar consciência de todos os mecanismos de operação, bem como de todas as características do eu analisado: absolutamente tudo o que se relacione aquele defeito, até onde alcancemos.

Acredito que um dos pontos-chave da obsessão psíquica é a crença de que o desejo é necessário por proporcionar prazer e satisfação. Em tal estado, todos os inúmeros, imensos e graves danos que o desejo ocasiona às nossas vidas são desconsiderados. Consequentemente, a expulsão do invasor requer a tomada de consciência dos inúmeros prejuízos, desgraças e catástrofes ocasionados e por ocasionar. A conscientização dos danos é a conscientização dos aspectos negativos, dos problemas trazidos, e desenvolve sentimentos de revolta contra o despotismo. A revolta contra o despotismo interior de um eu-defeito resultará na vontade cada vez maior de expulsá-lo de dentro de nós. A vontade de nos livrarmos não resulta do nada: provém da conscientização dos danos e prejuízos, os quais estão excluídos do processo cognitivo durante a possessão. O possuído está louco e não julga com sensatez, chegando muitas vezes a arriscar a própria vida para satisfazer um impulso.

A intenção da análise é percorrer conscientemente, sem identificação alguma, o processo experiencial do eu obsessor para enxergar e esquecer suas múltiplas facetas nesse transcurso. Dar-se conta e esquecer são o caminho da desobsessão. Esquecer é abandonar. Morrer é ser esquecido.

O trabalho de análise se justifica plenamente quando há possessão, mas me parece prejudicial se for realizado quando não houver necessidade. Se eu começar analisar um defeito do qual já me libertei, o estarei alimentando e o trarei de volta. Neste caso, o indicado é a vigilância constante e profilática, principalmente sobre os pensamentos, e a reação imediata mais adequada à aproximação de um eu invasor é a súplica à Mãe Divina. A Morte em Marcha (V.M. Rabolú) é, entre outras coisas, uma profilaxia contra a possessão.

A invasão por um ego ocorre principalmente pelo centro intelectual, embora não apenas por ele, porque somos animais pensantes. Assim, importa vigiar prioritariamente os pensamentos, sem abandonarmos a vigilância sobre os outros centros da máquina.

Em todo o desenvolvimento espiritual, a mente é sempre o maior obstáculo. É na mente que estão as deformidades do entendimento, as crenças defeituosas que correspondem à destrutiva idiossincrassia egóica. Então, é pela mente que temos que começar e é sobre a mente que temos que trabalhar continuamente, dando-lhe atenção especial sempre. Trabalhar sobre a mente não é raciocinar: é, ao contrário, buscar o silêncio. As recordações, embasamentos para os desejos, estão na mente. Lembrar é pensar. Morrer é silenciar e esquecer. No esquecimento há alívio e libertação.

Morte em marcha no centro intelectual

Há certos instantes em que o desejo nos deixa em paz como, por exemplo, os minutos ou horas que se seguem após sua satisfação, ou então os momentos em que algo nos impacta e afasta nossas preocupações de um desejo específico. Observe-se nesses momentos, quando estiver completamente livre de um desejo atormentador. Você constatará que nesses instantes não há traços de sofrimento ou insatisfação, mas sim um estado interior de calma, serenidade, traquilidade: é o esquecimento da maravilhosa morte. O objeto do desejo está esquecido e não nos preocupamos com ele. É esse o estado ideal que deveríamos perpetuar.

Infelizmente, não conseguimos perpetuar este estado simplesmente tentando “segurá-lo” em nós, sem estratégia alguma. É preciso uma estratégia correta. E a estratégia correta consiste em vigiarmos a nós mesmos contra os pensamentos de todo e qualquer tipo que se relacionem com aquele objeto de desejo. Importa por cuidado principalmente nos pensamentos cuja relação com o objeto de desejo é sutil, ou seja, pensamentos cujo caráter prejudicial é tênue, vago e não muito claro. Esses pensamentos também ocasionam dano porque reforçam o desejo. A atenção não pode ser posta somente nos pensamentos que explicitamente reforçam o que não queremos mas também, e principalmente, nos pensamentos que parecem ser inocentes. Essa é a morte em marcha no centro intelectual e inclui: pensamentos, lembranças, recordações, imaginações, raciocínios e análises, os quais não passam de manifestações intelectuais de caráter delituoso sutil mas, por isso mesmo, enganador e perigoso. O V.M. Rabolú os chama de “detalhes”. Sugiro o estudo dos mesmos em duas de suas obras: “A Águia Rebelde” e “Hercólubus ou Planeta Vermelho”.

Os detalhes, ou comportamentos que parecem inocentes à primeira vista, também se expressam nos outros centros (emocional, motor, instintivo e sexual) e neles devem ser igualmente vigiados. Tudo isso está bem explicado nestes dois livros.

A mente deve estar fechada à invasão dos pensamentos. Por isso diz o V.M. Samael em “Kabala e Eons” para uma mulher que havia sido desobsessionada mas estava curiosa por saber mais a respeito da entidade tenebrosa que a havia possuído: “No te preocupes ni piense mas eso, porque estás atrayéndola.” Esta resposta foi dada porque a mulher o havia interrogado, querendo saber se a entidade tenebrosa obsessora era um defeito seu ou pertencia a outra pessoa. A mulher contesta: “Lo mejor es olvidar?” E o V.M. responde-lhe: “Olvídate de eso, no pienses mas en eso!...” Em outras palavras: se pensarmos no defeito, ainda que com boas intenções, o atrairemos. O melhor é esquecê-lo. Um defeito é uma entidade obsessora, um ego invasor.

A limpeza dos pensamentos deve ser diária e constante, assim nos polarizamos no lado da morte, ou seja, da pureza da essência. Todo pensamento reforça algum defeito ou impede a sua observação. A partir da limpeza do pensamento, podemos limpar também os sentimentos (centro emocional) e as ações (centro motor-instintivo-sexual), mas primeiro temos que limpar os pensamentos. A mente é sempre o grande e contínuo obstáculo, durante toda a vida.

Importa ainda não permitir que os maus pensamentos prossigam nos instantes imediatamente seguintes à sua irrupção na mente.

Fortificação da fé

A fé fortifica-se com comprovações. Coletemos fatos e experiências para nos convencermos e eliminarmos todas as dúvidas. A fé não é a crença cega e nem a convicção gratuita, é a certeza e esta somente pode ser conseguida mediante a experiência e a comprovação.

Deus e o Diabo

Deus e o Diabo “falam” ao homem na alma, interiormente. A voz de Deus e a inspiração divina podem ser identificados mediante os preceitos de nossa religião. É assim que diferenciamos inspirações divinas das inspirações diabólicas. Deus é o Ser e o Diabo é o Eu. O desejo é diabólico e a vontade é divina. Entretanto, a má-vontade, que é a determinação para fazer o mal, é também diabólica por ser o próprio desejo concentrado.

Os religiosos realizam o contato com o mundo espiritual por meio dos sentidos internos, ainda que não tenham consciência dos nomes “clarividência”, “clariaudiência” e outros similares.

Impulsos para fazer o mal ao próximo ou a si mesmo são malignos. Impulsos para fazer o bem tanto ao próximo como a si mesmo são benditos. As hierarquias divinas nos julgam e medem pelo bem que realizamos ao próximo e a nós mesmos.

Os pecados são os defeitos. Quando prestamos atenção ao coração, podemos perceber impulsos para satisfação dos pecados e impulsos para superação dos pecados. Os primeiros nos arrastam para baixo, para a perdição, e os segundos nos arrastam para cima, para a bem-aventurança. Deus e o Diabo travam combate no interior do homem por sua alma. Quando Deus vence o Diabo, então o assimila e o destrói, dissolvendo-o.

Auto-prejuízo

O ato ejaculatório é um ato de auto-agressão sob disfarce prazeiroso. Ao orgasmo se sucede a sensação de morte. Quando fornicamos, estamos fazendo mal a nós mesmos sem termos consciência disso. A ilusão do ego nos engana.

O homem comum não vive sem o orgasmo. Concebe a vida sem ele como doentia, triste e sem gosto por ignorar as felicidades que existem nos céus, que são muito maiores.

A disciplina

A disciplina deve passar por cima de tudo, sem que se espere pela compreensão correspondente ao ato disciplinado. Esperar desapegar-se para somente então disciplinar-se é rumar diretamente ao fracasso. A disciplina não se sucede à morte: a antecede.

Eus muito fortes que levam a vontade a desfalecer

Se sua vontade desfalece e você fraqueja ao tentar suplicar contra um Eu muito poderoso que te domina, tal fato se deve à tentativa equivocada de opor-se diretamente ao núcleo do defeito em questão ao invés de retirar os detalhes gradativamente.

Eus muito poderosos não podem ser eliminados imediatamente. São enfraquecidos quando começamos a eliminar suas partes sutis, seus pequenos detalhes, um após o outro, dia após dia. Então observamos um curioso processo: a desidentificação da alma com o agregado psíquico acompanhada pela diminuição progressiva de sua força.

À medida que os detalhes do eu poderoso são descobertos e eliminados no cotidiano, vamos nos tornando cada vez mais separados do mesmo e passamos a vê-lo cada vez mais como algo estranho, intruso e alheio. Tal visão se deve à ruptura com a identificação. O defeito já não é mais visto como algo que nos pertence e ao qual estamos unidos, como antes era considerado, mas como uma deformidade invasora. Seus desejos e pensamentos não são mais considerados como partes de nós. É um avanço de compreensão.

É por este meio que aos poucos vencemos estes eus, os quais costumam provocar sensações de impotência.



Esquecimento como indicador

Um sinal de que um defeito está começando a ser enfraquecido é o esquecimento. Se, por exemplo, um homem apaixonado por uma mulher pensa nela todos os dias, aos poucos começará a esquecê-la se aplicar corretamente a morte em marcha sobre todos os detalhes de sua paixão. Começará a ficar longos períodos sem pensar em sua amada e, com o avanço da morte, se esquecerá completamente. O mesmo vale para qualquer outro ego.

O vício de "checar" a morte

O hábito de checar constantemente se um defeito foi realmente eliminado constitui uma forma de recordação do mesmo e um meio de fortificá-lo. É um indicador de desconfiança em relação ao poder da Mãe Divina.
Se um defeito não está mais se fazendo sentir ou perceber, temos que nos ocupar com outros ao invés de checar ou fazer pequenos "testes" para se o mesmo realmente enfraqueceu. Quando um defeito não dá sinais de atividade, temos que nos esquecer completamente dele.

3 comentários:

  1. Perfeito. Seu texto é muito esclarecedor. Estava começando a perder a fé na morte em marcha, após aplica-la dois dias consecutivo comecei a sentir um grande alívio no terceiro dia, a respeito do meu desejo opressor. Ele enfraqueceu e minhas idéias começaram a mudar de foco naturalmente, elas não eram mais atraídas para esse objeto específico.

    Como disse Nietzsche, no Zaratustra, a verdadeira sabedoria está em passar e esquecer.

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  2. O fundamental é deixar que a Mãe atue. Para tanto, temos que cumprir nossa tarefa de observar e pedir, deixando a eliminação para ela. Esse é o erro daquele que se reprime: ele tenta segurar ou resistir ao defeito, tomando a dianteira da Mãe Divina.

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  3. Tampouco devemos dar asas a atitudes, falas, conversas, imaginações e pensamentos luxuriosos ou de outro teor.
    Temos que usar a pequena margem de livre arbítrio de que dispomos para evitar fazer tudo o que é errado, enquanto a aumentamos pela Morte.

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