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terça-feira, 31 de maio de 2011

Um erro dos estudantes gnósticos

No início da década de 90, ao receberem do V.M.R. o precioso ensinamento sobre a Morte em Marcha e os Detalhes, os estudantes gnósticos (nós todos) o adaptaram à sua lógica repressionista anterior, à qual haviam sido condicionados pela sociedade. Receberam o vinho novo em odres velhos. Passaram, então, a vigiar os detalhes para reprimi-los cada vez mais, pois a sociedade os havia ensinado que os desejos seriam eliminados se fizessem "esforço para não senti-los". Acreditavam que reprimir os detalhes era uma forma de eliminá-los e não de barrá-los e ocultá-los vivos. Disciplinaram-se arduamente nesse sentido, vigiando-se e reprimindo-se de forma cada vez mais rigorosa. O resultado não poderia ser outro senão a catástrofe.
A sociedade nos ensina que os "desejos maus" são eliminados quando fazemos esforços para sufocá-los, tentando não senti-los. Tal pressuposto equivocado permaneceu entre os estudantes gnósticos, que tentaram adaptar os ensinamentos sobre a Morte do Ego a esses mecanismos. Os estudantes se auto-vigiavam e auto-observavam com o único intuito de se auto-reprimirem. A lógica era: reprimir-se o quanto possível e observar-se em busca de detalhes que escapassem à repressão. Nem bem um estudante descobria direito um detalhe, não reprimido anté então por descuido, suplicava por sua morte e imediatamente voltava a reprimi-lo em seguida, para, no dizer da época, "não deixá-lo se manifestar". A Morte havia sido tomada como sinônimo de repressão. Ninguém havia atentado para o importante fato de que a repressão não é mais que uma forma de fingimento, que o fingido simula virtudes, que aqueles que simulam virtudes são fanáticos hipócritas. Não havia a compreensão de que a repressão não impede manifestação alguma, apenas a canaliza por outros caminhos, e de que o verdadeiro meio de enfraquecer as manifestações até que deixem nos molestar é observá-las conscientemente e orar pela morte dos detalhes correspondentes. Não se compreendia que quem deveria eliminar os detalhes era a Mãe Divina e não nós.
Esse equívoco causou muito estrago.
Agíamos todos como se fôssemos virtuosos. Fingíamos castidade, mansidão, equilíbrio. Não passávamos de sepulcros caiados mas não nos dávamos conta disso. Nossa hipocrisia não era intencional, era inconsciente. Acreditávamos que aquele era o verdadeiro caminho para libertar a alma. Na verdade, não diferíamos dos religiosos comuns, desses que pregam virtudes e não as possuem. Em segredo, dávamos vazão aos conteúdos reprimidos, ou então, quando possível, disfarçávamos e justificávamos suas manifestações, inventando desculpas para que se tornassem aceitáveis (as manifestações de ira e perseguições pessoais "em defesa da obra" eram um bom exemplo disso).

domingo, 29 de maio de 2011

A relatividade da distância

A distância é uma ilusão da mente e não existe no mundo real. Dois objetos que nos parecem separados por um espaço, em um nível profundo de realidade, estão unidos.

Se a distância entre dois objetos existisse objetivamente, não poderia ser encurtada com o aumento da velocidade e seria sempre a mesma. A distância entre dois pontos poderá ser maior ou menor, consoante a escala espaço-temporal em que se vive ou à velocidade com que se desloca de um a outro.

Uma pessoa poderá transformar dois pontos distantes em pontos muito próximos, caso se desloque a grandes velocidades. Caso dê um salto e passe a viver na escala do seu Espírito, os pontos distantes lhes serão vizinhos.

Consideramos que São Paulo e Tóquio estão distantes porque estamos quase divorciados do nosso Ser.

O Ser tem o poder de transitar por diversas escalas de espaço e de tempo, de acordo com sua vontade. No mundo do Espírito, o passado pode ainda estar acontecendo e o futuro já ter chegado, ambos irmanados em um agora contínuo.

Nossa pobre consciência sofre, aprisionada em uma pequeníssima fração da Grande Realidade. Vivemos e nos movemos em uma parcela relativa do Todo. As distâncias que consideramos longas somente possuem sentido dentro da relatividade em que estamos aprisionados. Se nos libertássemos, poderíamos vivenciar o distante no aqui e o futuro no agora.

O mundo das relatividades não é o mundo verdadeiro, é o mundo das ilusões, dos pontos de vista.

Se o espaço e o tempo fossem absolutos, não poderiam ser alterados pela velocidade. Mas a verdade é que podem ser alterados pela velocidade. Quando estamos atrasados, pedimos ao motorista para que aumente a velocidade. Um lugar será ou não distante de outro em dependência da velocidade de deslocamento de que dispusermos.

Aprofundando a concentração

Quando tentamos praticar o relaxamento, a concentração e a meditação e não obtemos nenhum resultado transcendental, a causa do fracasso pode estar na falta de sono.

Em vigília, podemos penetrar nas regiões do inconsciente somente até um determinado nível, além do qual se requer o sono, que é a desaceleração das funções biológicas e cerebrais. O sono abre as portas ao Além.

Após o relaxamento ter avançado razoavelmente, iniciamos a concentração, mas isso não significa que, ao aprofundarmos esta última, aquele não prosseguirá se aprofundando ainda mais. O início da concentração marca um aprofundamento maior do relaxamento e da desaceleração das funções biológicas. Tudo isso é sono cada vez mais profundo, porém consciente.

O aprofundamento da concentração, por sua vez, requer o aprofundamento do sono e o desligamento dos sentidos físicos. A percepção do corpo físico cessa progressivamente, ao passo que a percepção interior consciente daquilo em que nos concentramos aumenta, na mesma proporção.

Se nos concentramos em um elemento exterior, o som de um grilo, por exemplo, deixaremos de percebê-lo fisicamente e passaremos a percebê-lo interiormente, cada vez com mais clareza. Aquilo que nos atinge sensorialmente também nos atinge supra-sensorialmente, ao mesmo tempo.

Deste modo, aprofundar a concentração, durante a prática da meditação, é clarificar a percepção do objeto interior ou exterior que nos interessou.
Se o objeto de nossa concentração for um mantram, inicialmente o perceberemos sensorialmente (o pronunciaremos fisicamente, verbalmente)e posteriormente o perceberemos supra-sensorialmente, pois o pronunciaremos mentalmente. Existem as percepções exteriores e interiores.

Podemos começar a concentração a partir de um elemento percebido sensorialmente (exteriormente) ou supra-sensorialmente (interiormente). Quando percebemos algo interiormente, diz-se que estamos no pensamento único ou na imaginação consciente, o que é a mesma coisa. O pensamento único ao qual os mestres se referem é a percepção interior do objeto de nossa concentração, a qual requer o abandono da correspondente e limitada percepção exterior, a qual nos restringe à uma percepção tridimensional do objeto. Se ficássemos presos à percepção exterior ou sensorial, não penetraríamos na realidade do alvo de nossa concentração, pois a mesma transcende o tridimensional. Portanto, a percepção tridimensional do objeto é parcial e temos que ir além dela, transcendendo-a, o que se consegue quando a alma vai se desligando do corpo físico.

Ao longo do processo, podem surgir pensamentos que nos distraiam e atrapalhem, desviando-nos. Como almejamos o pensamento único, pensamentos que não tenham nada a ver com o objeto de nossa concentração nos afastam da meta. A recomendação dos mestres para esses casos é que não entremos em confito com tais pensamentos e sim nos detenhamos por um momento para assimilar seus conteúdos, isto é, para nos tornarmos conscientes do que contém. Se entrarmos em conflito, nos prendemos em uma luta e a prática estanca, não avança, pois ficaremos envolvidos em um combate sem fim. O conlito com os pensamentos é uma forma de identificar-se com a mente.

Se dissecamos o conteúdo do pensamento intruso, sem conflitar, o aquietamos e podemos então prosseguir rumo ao silêcio, aprofundando a concentração. Se um pensamento invasor surgir novamente, seja o mesmo ou outro, temos que interromper novamente a concentração para nos fazermos conscientes do seu conteúdo, seu assunto e sua meta. Todo pensamento possui um conteúdo, traz algo dentro de sim: temas, cargas de libido e metas. O pensamento provém de um "eu" que quer algo. Quando o pensamento é assimilado, deixa-nos em paz e podemos prosseguir, aprofundando ainda mais a concentração.

Assim vamos caminhando rumo às profundidades da psique.

O trabalho aqui descrito poderia ser comparado a dirigir por uma estrada. Você está dirigindo, rumo ao que está além do horizonte. De repente, um problema acontece com o seu carro. Você para, verifica qual é o problema, conserta-o e prossegue. Posteriormente surge outro e você faz o mesmo. E assim prossegue.

Diz o mestre que chega um momento em que todos os pensamentos se esgotam, então vislumbramos o mundo que estava além das montanhas mais distantes. É quando então podemos abandonar o pensamento único, que é o último que restou, para cairmos no vazio e experimentarmos o indescritível.

O V.M.S. diz que "a procissão dos pensamentos cessa". Essa procissão é composta pelos pensamentos que vão esporadicamente interferindo na concentração. Não se trata de um conjunto de pensamentos encadeados, que devem ser observados enquanto passam para, somente depois, nos preocuparmos com a concentração. Se nos detivermos somente contemplando os pensamentos, deixando definitivamente a concentração de lado, simplesmente dormiremos e sonharemos. Não se trata de ocupar-se somente em contemplar conscientemente os próprios pensamentos (algo assim como assistir a uma televisão) pois o resultado inevitável seria o adormecimento da consciência. A "procissão de pensamentos" é constituída pelos pensamentos que vão esporadicamente se intrometendo na concentração, para desviá-la.

Muitas pessoas poderiam supor que a primeira etapa da meditação consiste em contemplar conscientemente os próprios pensamentos, deixando a concentração de lado. Se apenas contemplarmos os pensamentos, sem penetrar através deles com a concentração em nos interessa, levaremos a consciência somente até um nível, além do qual adormeceremos normalmente e teremos sonhos.

Importa, então, aprender a aprofundar o sono enquanto se intensifica a lucidez e a consciência, o que requer focalização da atenção em um objeto. Apenas contemplar os pensamentos é não ter objeto definido algum para a atenção e, portanto, para o campo da consciência.

Durante a concentração, não devemos procurar os pensamentos, buscando onde eles estão ou checando se estão surgindo. Tampouco devemos reprimi-los. O estado ideal é um estado em que não os reprimimos, se surgirem, mas também não os estimulamos e nem os buscamos, caso não estejam aparecendo. Apenas aquilo em que nos propomos a prestar atenção é que deve nos interessar.

O empenho em prolongar a atenção/pensamento único pelo maior tempo possível e o maior número de vezes possível por dia resultará em aprofundamento crescente e desenvolvimento da concentração, até o ponto em que ocorra o esquecimento(vairagya) total de tudo o que existe. 

Diferenças e semelhanças entre concentração e distração

A distração e a concentração apresentam pontos em comum e também diferenças diametrais.

Vocês já viram uma pessoa distraída com algo, algum entretenimento? Observem-na: nada mais existe além do objeto do seu interesse. Ela se esquece de todo o resto do mundo. A concentração é semelhante à distração, no que se refere ao envolvimento, mas oposta a ela no que se refere à consciência. o distraído não está consciente do que faz, está esquecido de si mesmo, ao passo que a pessoa concentrada está percebendo plenamente o que faz.

Quando estamos distraídos, estamos com atenção plena, natural e espontânea naquilo que nos interessa, mas, ainda assim, não é correto dizer que estamos concentrados, pela simples razão de que não estamos conscientes do que estamos fazendo.

A diferença entre a concentração e a distração é a consciência, as semelhanças são o envolvimento, a absorção, a entrega e a espontaneidade.

O distraído está fascinado, esqueceu-se de si mesmo. O concentrado está plenamente lúcido, percebe aquilo que lhe interessa com profundidade crescente. Entretanto, ambos estão entregues e absortos.

Equivocam-se aqueles que imaginam a concentração como um ato de esforço, pois a concentração é um ato espontâneo e natural. Fazer esforço para se concentrar é sabotar a concentração.

Observem-se quando estiverem distraídos e verão que se encontram plenamente ocupados com aquilo que lhes interessa, como se estivessem concentrados, mas não o estão simplesmente porque estão fazendo aquilo inconscientemente, por impulso, e mantêm a consciência passiva, sem receber os fatos e sem perceber nada.

Quando estamos tentando nos concentrar e um pensamento nos atrapalha, dizemos que aquele pensamento nos distraiu, ou seja, roubou nossa atenção. Isso significa que a atenção foi desviada do alvo de nosso interesse para outro alvo que não havíamos planejado. Logo, a distração é também uma forma de focarmos atenção e nos oferece um parâmetro para entendermos o que seria uma atenção concentrada. Se quisermos entender o que é a concentração, basta observarmos o que é a distração. A concentração é o pólo contrário da distração, mas nem por isso deixa de ser semelhante a esta última, em certos aspectos. Ambas são similares e antitéticas, são especulares.

É importante entender o que é exatamente a concentração para se evitar esforços equivocados.

Para se desenvolver a concentração, é conveniente escolher objetos que nos interessem, pois se tentarmos nos concentrar em algo que nos molesta, algo enfadonho, teremos dificuldade, nos cansaremos e não teremos resultado.

As pessoas leigas costumam confundir uma pessoa concentrada com uma pessoa distraída. Se alguém caminha por uma estrada altamente lúcido e concentrado, os demais podem achar que ele está distraído com seus pensamentos, isso porque, aparentemente, os dois estados são semelhantes, mas diferem radicalmente no que tange à lucidez e a recordação de si.

O indivíduo concentrado percebe de forma intensa e objetiva aquilo que se propôs a observar, pois aprofunda a sua atenção e não mariposeia. Já o distraído mariposeia , muda de objeto constantemente e seu pensamento é superficial.

Há um certo tipo de divagação superior e objetiva na concentração, isenta de fascinação e totalmente distinta das divagações subjetivas da distração. Trata-se de uma viagem imaginativa que ocorre sem perda de consciência, sem queda na fantasia.

Poderíamos, para melhor entendimento, colocar as coisas assim: a distração é uma concentração inconsciente, enquanto a concentração é uma distração consciente (apenas para facilitar o entendimento, pois em realidade são opostos).

Concentrar-se é contemplar, observar com interesse.

A concentração está para a imaginação consciente assim como a distração está para a imaginação mecânica (fantasia).

Que ninguém suponha que a concentração seja um conflito com a mente, pois é a superação ou transcendência dos conflitos. Na concentração, tudo vai ficando para trás, inclusive os conflitos com a mente.

Um homem dirigindo em uma estrada, plenamente lúcido e relaxado, sem que nada o distraia, está altamente concentrado.

Tanto na concentração quanto na distração há receptividade, a pessoa está aberta ao objeto, porém na distração não há aprofundamento, a pessoa muda constantemente de objeto.

No cotidiano, temos que aprender a nos concentrar naquilo que estamos fazendo, sem distração, isto é, temos que contemplar a nós mesmos em cena, em ação. Então descobrimos muita coisa sobre o ego que antes não suspeitávamos.

A auto-observação é uma concentração em si mesmo, no que se está realizando.

Um motorista concentrado perceberá minuciosamente o que está fazendo. Esquecerá seus pensamentos, não se ocupará com eles, os deixará para trás. Somente perceberá o que estiver diretamente relacionado à sua tarefa ou ocupação naqueles momentos. Estará presente ao momento e ao lugar, vivendo o aqui e o agora. Perceberá profundamente o que faz, nuances e detalhes do ato penetrarão em seu campo de consciência. Seu campo de consciência abrangerá a estrada, os movimentos do volante, as acelerações e desacelerações, curvas, perigos etc. estará conscientemente entregue ao ato. Seu centro intelectual estará em repouso,enquanto seu centro motor e sua consciência estarão em atividade.

A concentração é o caminho para a meditação e não se consegue silenciar a mente sem antes desligar-se dos múltiplos pensamentos. Quem rejeita a concentração não conseguirá meditar.

Tenho visto pessoas tentarem meditar sem concentração e até rejeitando o sono, o que me parece um absurdo. A mesma similaridade antitética que existe entre a concentração e a distração, existe entre a meditação e o sono. A meditação é um sono consciente, enquanto o sono comum é algo assim como uma espécie de meditação inconsciente (digo isso para fins didáticos, pois a verdadeira meditação é consciente). Tentar meditar rejeitando o sono é forçar uma falsa meditação, cujo efeito é danificar o cérebro. A verdadeira meditação não cria transtornos psiquiátricos, mas a falsa meditação ou meditação sem sono sim. Por isso é tão importante compreender corretamente a teoria. Ninguém pode meditar de verdade sem baixar as ondas cerebrais e o metabolismo. Assim como no sono, os batimentos cardíacos, a respiração e muitas outras funções corporais reduzem-se durante a meditação.

Quando você ouvir falar em meditação, pense em algo análogo ao sono que você tem todas as noites, porém consciente.

O êxtase que se atinge por meio da concentração e da meditação não tem nada a ver, no que se refere à consciência, com os transes, sejam hipnóticos, mediúnicos ou de quaisquer outros tipos. Também entre o transe e o êxtase existem similaridades antitéticas, ambos são semelhantes e contrários.

A partir da concentração, chegamos à meditação e ao êxtase. A partir da fascinação, chegamos ao transe. O indivíduo em transe está absolutamente inconsciente, adormecido, enquanto o indivíduo em êxtase está hiperconsciente e hiperlúcido, ainda que seus centros e seu corpo físico estejam em repouso.

O V.M.R. nos diz que, quando criança, se concentrava, por medo, no som dos grilos à noite, ao deitar-se, e que tal concentração instintiva tinha por resultado o desdobramento astral consciente. Isso demonstra que a concentração não é algo artificial e nem forçado, mas sim espontâneo e natural. "Atenção plena, natural e espontânea, sem artifício de espécie alguma é a concentração perfeita", escreveu o V.M.S.

Por medo do grilo, o menino, bodhisattwa do V.M. Rabolú, se concentrava. O medo fazia com que o som se tornasse objeto do seu interesse e o levava a focalizar a atenção ali, esquecendo-se de todo o restante.

Se ainda assim a concentração não está clara para você, imagine o seguinte. Suponha que você tenha que carregar uma xícara cheia de água sem derrubar uma só gota e sob a mira de um arqueiro, pronto para disparar a flecha contra você caso não cumpra a meta. Você obrigatoriamente terá que se concentrar da forma correta! Se pensar na flecha, se desconcentrará.

Temos que diferenciar a atenção do esforço. Atenção é uma coisa e esforço é outra. Na concentração existe atenção pura, sem esforço nenhum, somente a atenção, separada do esforço e de modo algum mesclada ao mesmo.

A atenção pode existir na ausência total do esforço, da preocupação e até do desejo, pois o ato de prestar atenção é um ato de receptividade. Estar atento não é estar tenso, é estar receptivo, aberto a alguma coisa. Quando se diz "concentre-se", está-se dizendo "torne-se aberto para tal coisa".

O V.M. Rabolú nos fornece alguns parâmetros que permitem melhor compreender o que é uma prática da concentração. Ele nos diz que concentrar-se em um objeto é refletir sobre seus seguintes aspectos:

  • o que é o objeto (em que consiste?);
  • de que é feito o objeto (quais são os materiais que o constituem, de que é composto?);
  • para que está feito o objeto (qual é a sua função, para que serve?);
  • como funciona o objeto (de que maneira opera, como o mesmo atua?);

O estudante, concentrado, deve refletir sobre esses aspectos. Tais parâmetros "balizam" o pensamento sobre o objeto e o direcionam. O Mestre também sugere ao estudante que "entre" no objeto com a imaginação.

Em suma, concentrar-se, dentro desta concepção, é investigar reflexivamente o objeto. Muito provavelmente, o V.M. não restringia a prática a tais parâmetros, os quais parecem ser mais um ponta-pé inicial. Entendo que tudo o que for intrinsecamente inerente ao objeto pode ser alvo de reflexão sem que incorramos em desvio e desconcentração.

Na concentração ainda existe atividade mental. A concentração não é a fase de ausência de pensamento, mas sim de pensamento único. O pensamento único é atividade mental reduzida e dirigida. Múltiplos e dispersos pensamentos implicam em atividade mental mais intensa do que um único pensamento. Quem concebe a concentração como uma fase de ausência de atividade mental está equivocado, pois tal fase corresponde à meditação.

Em etapas profundas, o pensamento na concentração não é articulado, é um simples "dar-se conta" silencioso, receptividade pura.

Por meio do pensamento único ocorre o desligamento dos sentidos externos, do mundo físico e do corpo físico.

A recordação do Ser

As palavras abaixo são de extrema importância. Escrevi sob inspiração profunda outro dia em Vilhena, RO. Sugiro que medite nelas com atenção cuidadosa e sem pressa alguma.

Os desejos não são o Ser.

Os pensamentos não são o Ser.

A mente não é o Ser.

As emoções não são o Ser.

O corpo físico não é o Ser.

A Essência é o Real Ser em nós, o que há dEle em nosso interior.

Recordar-se de si é recordar-se da Essência.

Recordar-se de si é recordar-se de que se possui um Ser/Essência real, totalmente distinto do corpo, dos sentimentos, das emoções, da mente, dos pensamentos, dos desejos, das lembranças, dos sofrimentos, alegrias etc. É recordar-se desse "algo" que ultrapassa tudo e que somos, no fundo.

Mediante a recordação de si, a Essência se dissocia do Ego. Nos separamos do Ego quando nos recordamos de nós mesmos.

Quando nos recordamos de nós mesmos, rompemos com a fascinação e nos diferenciamos de tudo o que não é o Ser.

Não é possível observar algo com o qual estejamos identificados.

Identificar-se com algo é confundir-se com aquilo, perdendo a noção da diferença entre o que verdadeiramente somos e o objeto que nos fascina.

Nos identificamos pela fascinação (força hipnótica).

A fascinação "apaga" a consciência (adormece a Essência), impedindo-a de observar e contemplar.

O choque da recordação de si rompe com a fascinação e permite a contemplação consciente do objeto do qual nos diferenciamos.

A observação do Ego somente é possível mediante a recordação de si.

A Essência fascinada confunde-se com o Ego e sente seus desejos e sofrimentos.

Por ser uma parte do Ser Real (Espírito Divino ou Deus Interior), a Essência (alma pura e primordial) participa da mesma natureza natureza divina. A Essência é Deus em miniatura.

São características da Essência e, portanto, do Real Ser:

· silêncio interior (o que pensa não é o Ser);

· serenidade (o que se perturba não é o Ser);

· contemplação (observação).

Damos o choque da recordação de nós mesmos para romper nossa identificação com o Ego. Rompemos a identificação com o Ego para podermos observá-lo.

Aquele que se identifica com o Ego, sente-se como ego e se confunde com o mesmo. Identificado, sentirá como se os seus pensamentos, atos e desejos fossem ele mesmo, sua própria Essência, o seu próprio Ser Real ou Espírito, perdendo a capacidade de diferenciar-se dos mesmos.

O choque da recordação de si mesmo rompe tal vínculo fascinatório e equivocado, nos permitindo evidenciar que não somos os elementos que pensam, sentem e atuam dentro de nós.

Na recordação de nós mesmos, nos recordamos de nosso próprio Ser e rompemos a identificação com o ego, a qual é causada pela fascinação. Somente assim podemos começar a observá-lo e compreendê-lo.

A mente, os desejos, as emoções e o comportamento como um todo não podem ser observados quando os consideramos como parte do Ser e não como algo distinto.

Tratar a mente como um elemento estranho e o Ego como um conjunto de pessoas estranhas ("Eus") assinala o princípio do trabalho sério sobre nossa natureza interior.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Prazer mental

Há uma diferença entre o ato sexual real e o ato sexual mental. Este último se dá pela contemplação de imagens eróticas, sejam elas imagens mentais, lembranças, fantasias eróticas ou então filmes, fotografias e películas pornográficas. O ato sexual real é concreto e vivo, enquanto suas diversas representações são abstratas. Viciar-se em imagens sexuais abstratas equivale a atrofiar o poder de praticar o sexo real. Quem gosta de se divertir com sexo virtual, mental ou em telas de computadores, termina com impotência psico-sexual, pois perde o poder de se excitar e se relacionar com mulheres reais. O poder sexual tem que ser mantido vivo através da prática com a mulher concreta.

As imagens pornográficas são tão prazeirosas porque refletem nossas fantasias e sonhos de perfeição. No entanto, nos afastam do mundo sexual real e roubam energia sexual (por isso é que dão prazer e são viciantes). Ao pensar em sexo, estamos usando a energia sexual de uma forma que não lhe corresponde, pois a função do pensamento é tecer análises e não curtir prazeres. Com a repetição de tal uso indevido e equivocado do intelecto, cria-se o vício de sentir prazer através do pensamento e não mais somente do órgão sexual. O ato de pensar e fantasiar sexo com mulheres maravilhosas torna-se cada vez mais prazeiroso. A sensação de prazer morboso que se experimenta ao pensar-se em sexo provém da energia sexual que está sendo roubada e desviada de sua função original. O centro sexual perde sua energia para o intelectual, o qual passa a trabalhar com energias sexuais e intelectuais mescladas. Então, ao ficar sem energia, esse centro tem que roubar energia de outros centros e o resultado é o desequilíbrio: centros que não desempenham suas funções como deveriam e que começam a atuar de forma desorganizada.

Os masturbadores apreciam o prazer de lembranças e fantasias eróticas, evocando-as constantemente para deleite, afastando-se, assim, do ato sexual real e vivo.

A ato de masturbar-se é um ato de desfrute de um prazer de tipo mental. O prazer masturbatório, tão elogiado hoje em dia, é mental, abstrato, teórico, fantasioso e imaginativo, resulta do desfrute de sensações vivenciadas mentalmente. O masturbador não se excitaria e nem teria prazer caso não evocasse mentalmente suas fantasias eróticas. Aquele que está se masturbando está gozando sensações mentais.

O sexo mental alimenta a luxúria e escraviza a pessoa. Quem o cultiva não se liberta da luxúria jamais. Deter-se contemplando prazeirosamente imagens eróticas na tela da mente ou em uma televisão é escravizar-se mais e mais à luxúria. O caminho para recuperar-se é parar de pensar em sexo e começar a praticar o sexo com uma mulher humana verdadeira, sem ejaculação. Aprendamos, então, a nos excitarmos sexualmente com a presença física da mulher real e não com meras imagens mentais, recordações ou vídeos. A excitação sexual mental acusa mescla de energias: o centro intelectual está vampirizando o centro sexual e trabalhando com a energia que não lhe é própria. O centro sexual é para análises e não para deleites eróticos.

A luxúria é algo totalmente mental. Quem quiser transmutar a luxúria em castidade necessita eliminar o hábito de desfrutar o prazer sexual abstrato, o prazer de pensar em sexo. O que se requer não é a eliminação do erotismo do corpo, mas da mente. O desejo não está no órgão sexual e sim na cabeça.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O erro de focar somente os defeitos mais graves

Todos temos alguns defeitos que são maiores, mais fortes e mais perigosos e outros mais fracos, menores, menos perigosos e até inofensivos. De acordo com nossa personalidade, poderão ressaltar mais certos defeitos (ex. ira, cobiça, luxúria) , enquanto outros se manifestarão muito pouco e nos perturbarão. Essa é uma das razões pelas quais nos parece tão fácil julgar e condenar os outros, mas não a nós mesmos.

Um erro que podemos cometer é o de não darmos atenção aos defeitos que causam pouco prejuízo, manifestam-se raramente ou apresentam fraco poder sobre nós, priorizando exclusivamente os defeitos piores e mais perigosos. Motivados pela justa necessidade de nos livrarmos de tais defeitos, que configuram uma linha psicológica principal em nossa personalidade, podemos cair no erro de nos dedicarmos exclusivamente à morte dos mesmos, engajando-nos em uma luta sem fim em que não há vencedor e nem vencido. O motivo? Não se pode matar tiranossauros antes de se ter aprendido a matar lagartixas. Exercite-se matando lagartixas, depois lagartos, depois jacarés, depois crocodilos e por fim será capaz de matar o tiranossauro. É uma questão de lógica: ninguém pode começar pelo pior, embora seja natural que sintamos certa urgência em derrubar o inimigo principal

Os defeitos secundários (que não abrem tanta passagem através de nossa personalidade) fornecem um valioso material experiencial. Aprendendo a matá-los, desenvolvemos a fé, comprovamos a eficácia dos métodos da morte, exercitamos a auto-observação e entendemos de forma ampla o que é a morte do ego e como se morre de verdade. Aprendemos também a superar a tendência comum de fingir a morte para nós mesmos, por meio de comporamentos simulados e resistências inúteis.

Focar exclusivamente a a luxúria, ignorando outros defeitos mais fáceis de eliminar, é rejeitar experiências e comprovações importantes e imprescindíveis para o avanço.

Não é demais lembrar que, quando falo de "matar o defeito" e menciono sua eliminação, não estou me referindo a nenhuma forma de repressão, recalque, bloqueio ou resistência aos desejos e impulsos, os quais são meros comportamentos fingidos. Por "matar" estou me referindo à assimilação e a consequente dissolução dos nossos defeitos.

Portanto, aprendamos a trabalhar também os defeitos que não incomodam muito, adquirindo experiência e comprovação, e teremos, assim, armas para direcionar aos piores inimigos futuramente.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A valorização negativa do Ego

Se acredito que determinado desejo é terrível e perigoso, então o estou considerando poderoso e despótico. Não é possível que algo seja terrível e, ao mesmo tempo, não seja perigoso e nem poderoso. A terrificidade vincula-se diretamente à ameaça e ao poder. Aquilo que é fraco e inofensivo não pode ser considerado terrível. Logo, acreditar que um desejo é terrível e ameaçador, é acreditar que seja poderoso.
Ao simplesmente acreditarmos (sem termos consciência) que o desejo é terrivelmente poderoso, estamos fortificando o ego do derrotismo, reforçando, inconscientemente, a crença de somos fracos (se meu inimigo é poderoso, somente pode sê-lo em relação a mim, portanto, considero-me fraco), esquecendo-nos de que temos ao nosso lado as forças muito mais poderosas do Ser. Se acredito que meu inimigo é poderoso, estou atribuindo-lhe poder. Ao atribuir-lhe poder, estou atribuindo-me fraqueza. Origino, assim, um sistema de crenças em que sou fraco e meu inimigo forte. A crença derrotista, arraigada, converte-se em um freio inconsciente que inutiliza todos os nossos esforços, um defeito que necessita ser compreendido e analisado.
Muito diferente seria se tomássemos consciência do exato poder, prejuízo e despotismo de um defeito, ao invés de forjarmos crenças derrotistas para nós mesmos. Uma coisa é conhecer diretamente, outra coisa é acreditar. Quem vive forjando crenças derrotistas, fica estancado, não avança. As crenças derrotistas estão ligadas à supervalorização do Eu. O derrotista acredita que o seu Eu é todo-poderoso e o teme, pois desconhece todas as possibilidades do seu Real Ser Interior Profundo. O Ser é imensamente superior ao Eu e pode derrotá-lo, desde que a Essência colabore.
Parece contraditório, mas o desespero por se livrar dos desejos lhes confere poder, através da valorização negativa. Desesperar-se diante de um desejo é tão prejudicial quanto entreter-se curtindo sua satisfação. O recalque, a repressão, provém justamente do desespero por se livrar do que tememos, são procedimentos de fuga. Melhor seria enfrentar com frieza e coragem a realidade, ainda que desagradável e vergonhosa. Se, depois de observarmos e compreendermos razoavelmente um defeito, começamos a sentir tristeza ou vergonha pela miséria que representa, aí já é outra coisa. Mas cair em um estado negativo antes de conhecê-lo, simplesmente por uma crença que forjamos, é auto-sabotagem.
É absolutamente normal, e até desejável, que, à medida que aprofundamos a observação, comecemos a sentir aversão e arrependimento. Trata-se de um arrependimento a posteriori, que nada tem a ver com nenhuma crença apriorística forjada a partir da identificação com relatos ou explicações alheias. O arrependimento é paralelo e posterior à compreensão, a culpa a antecede e se torna um obstáculo se nos fixarmos nela.
Podemos valorizar um defeito positivamente ou negativamente. O valorizamos positivamente quando o endeusamos, adoramos, amamos, justificamos e buscamos satisfazê-lo. O valorizamos negativamente quando superestimamos seu poder e acreditamos que seja invencível, imortal, insuperável etc. crendo-o superior ao Íntimo e à Mãe Divina, acreditando que estamos condenados inapelavelmente, que nosso destino já está selado e negamos as verdadeiras possibilidades que possuímos.