terça-feira, 21 de junho de 2011

Refletindo sobre si mesmo

Podemos compreender a nós mesmos (nosso ego) por duas vias: a reflexão e a observação. A observação é mais trabalhosa e menos sujeita e erros. A reflexão é adequada a quem ainda não aprendeu a pensar psicologicamente e sente seu próprio psiquismo como algo vago e inacessível.
A reflexão deve ser rigorosamente pautada em fatos psicológicos observados, o que significa que jamais pode ser realizada sozinha, sem embasamento prático observacional. Caso contrário, se transformará em mera teorização estéril sobre o ego.

Inicialmente, realizamos reflexões intelectuais, usando a linguagem interior para as análises e pensando através do idioma que usamos para falar (inglês, português, francês etc.). Depois, aprendemos a pensar silenciosamente, sem idioma mental algum, somente capturando os fatos diretamente. Posteriormente, aprendemos a refletir sem pensamentos, captando intuitivamente a essência dos fatos. Entretanto, o iniciante usará a mente para refletir, como ponto de partida de sua aprendizagem.

A observação é algo menos sujeito ao erro e a cair no teoricismo, mas por isso mesmo, mais trabalhoso. O preguiçoso tende a ficar preso na teoria. Teorizar sobre si mesmo é perder o tempo, muito melhor é observar e descobrir. Observamos o ego como observaríamos o comportamento de qualquer pessoa ou como um psicólogo observa o comportamento do seu paciente: buscando detalhes. Quanto mais detalhes descobrimos, melhor. Não existem detalhes depreciáveis. A descoberta de inúmeros detalhes vai configurando uma compreensão em contínua construção, que jamais termina.

A observação exige desbloqueio das emoções pois emoções bloqueadas não podem ser observadas. Mas isso não significa que devamos nos entregar à fascinação e deixar de exercer controle sobre as ações. Desbloquear a emoção não é sair por aí gritando e descabelando, fazendo tudo o que dá vontade. É simplesmente não freiar brutalmente as emoções, mas também não se esquecer de observá-las.

O hedonista, aquele que vive para satisfazer todos os seus desejos, não observa nada, pois está identificado. O agente assimilador das emoções (a consciência) não está ativo no hedonista. Por isso, o hedonista não é um observador de si mesmo, é tão somente um desfrutador dos próprios desejos. Hedonistas como Marquês de Sade ou Crowley quiseram esgotar o desejo mediante a satisfação, o que é um absurdo, pois a a satisfação o fortifica cada vez mais. Queremos o enfraquecimento verdadeiro do desejo e não sua fortificação. E o enfraquecimento somente advém com a assimilação, com a compreensão.

Quando refletimos em um desejo e buscamos sua causa, encontraremos outro desejo próximo e paralelo escondido. Os desejos se associam em feixes e formam cadeias.

Quando um estudante, refletindo, se pergunta a respeito das causas de um desejo ("Por que desejo isto?"), pode muitas vezes ficar sem encontrar imediatamente uma resposta. A razão dessa frustração pode ser o parâmetro equivocado de busca. O "porquê" de um desejo é outro desejo oculto, que lhe dá fundamento. Exemplo: um homem pode descobrir que deseja um carro moderno e vistoso porque deseja as mulheres que este carro atrairá, e que deseja tais mulheres porque deseja as sensações físicas e emocionais que elas provocam ou porque deseja impressionar a sociedade; questionando-se e auto-explorando, descobrirá uma sequência de desejos encadeados. Se a concentração for profunda, poderá ir bem longe na investigação da cadeia de desejos.

Quando investigamos uma cadeia de desejos, chegamos a um limite, um ponto além do qual nossas perguntas não são mais respondidas. Este é o limite de nossa capacidade de refletir sobre a questão. Entretanto, se aprendermos a meditar em profundidade, podemos ultrapassá-lo. Nem sempre os elos da cadeia posteriores ao limite estão no mundo físico. Na maior parte dos casos, temos que buscá-los nos mundos internos. É por tal razão que os psicoterapeutas analisam os sonhos dos pacientes.

A didática gnóstica, entretanto, quando corretamente aplicada, é mais efetiva que a mera análise dos sonhos: praticar a auto-observação aqui e durante o sono é um caminho muito mais eficaz para obtenção do auto-conhecimento.

A compreensão de um defeito se amplia à medida que os desejos encadeados que o compõem vão sendo revelados. A psicoterapia é uma prática interessante, mas é limitada pela linguagem, limitação esta que a apreensão instintiva por meio da auto-observação e da meditação não nos impõe.

Compreender um defeito é descobrir a capa que encobria os vários desejos que, associados, o formavam.

A auto-observação focada sobre os detalhes resolve o problema da compreensão sem que tenhamos que quebrar a cabeça analisando o defeito. Os vários desejos encadeados vão se revelando gradativamente e uma compreensão vai se configurando. Esse é o trabalho mais rápido e efetivo para a Morte. Quem se acostuma a realizá-lo aqui, o realizará também nos outros mundos.

14 comentários:

  1. Li praticamente todo esse blog e tenho uma dúvida que gostaria, por favor, de ter elucidada. Se alguém está apegado a outro alguém, esse apego se manifesta emocionalmente de diversas formas. Pode ser através da raiva, do ciúme, da saudade, do desejo, etc. O simples fato de se perceber esses sentimentos aflorando já constitui uma observação? E esse sentimentos deveriam ser "destrinchados", reduzidos a detalhes, digamos assim, manifestações desses sentimentos? O fato de nos mantermos alertas a manifestação desses sentimentos não contamina a observação de alguma forma, de repente até mesmo provocando-a? Agradeço muito se puder me tirar essas dúvidas. Obrigado.

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  2. Gostaria de perguntar ao proprietário do blog, qual é a opinião dele á respeito de se envolver com outra parceira, ainda tendo apegos á outras anteriores(ex-namoradas). Caso considere isto um "problema", gostaria de pedir-lhe uma "solução". Pois estou dando os meus primeiros passos na meditação e tenho esta curiosidade. Desde já, grato pelas valiosas informações. Obrigado!

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  3. Acho que será uma desonestidade se ela não souber disso.
    Se ela souber disso e concordar, não me parece desonesto.
    Mas não devemos levar isso a um fanatismo extremo pois, se fôssemos esperar o momento em que não tivéssemos mais nem sombra de apego ou atração por outras mulheres, não nos relacionaríamos nunca.
    Para eliminar esses apegos, é o mesmo de sempre: observação e oração. Tais apegos são defeitos que necessitam ser desintegrados pela Mãe Divina.

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  4. P. Li praticamente todo esse blog e tenho uma dúvida que gostaria, por favor, de ter elucidada. Se alguém está apegado a outro alguém, esse apego se manifesta emocionalmente de diversas formas. Pode ser através da raiva, do ciúme, da saudade, do desejo, etc. O simples fato de se perceber esses sentimentos aflorando já constitui uma observação?

    R. Sim, já constitui uma observação inicial, pois observar algo é percebê-lo. Porém isso não significa que essa percepção inicial não possa ou não deva ser desenvolvida.
    Quanto mais você perceber, mais a percepção de si mesmo se desenvolverá.
    Para percebermos os egos, temos que nos dissociar deles, rompendo com a identiticação. Por isso, o simples ato de perceber já assinala o início da auto-observação.

    P. E esse sentimentos deveriam ser "destrinchados", reduzidos a detalhes, digamos assim, manifestações desses sentimentos?

    R. Sim, conforme você os vai percebendo mais e mais, os detalhes vão sendo detectados e a percepção vai se aprofundando.

    P. O fato de nos mantermos alertas a manifestação desses sentimentos não contamina a observação de alguma forma, de repente até mesmo provocando-a?

    R. Depende do significado da palavra "alerta". Muitas pessoas entendem o alerta como um estado de sobressalto, ansiedade e preocupação. Neste caso a observação irá ser prejudicada. Entretanto, se for um alerta natural, espontâneo e receptivo, o alerta e a observação serão um só, estarão fusionados em uma única percepção.
    Portanto, o alerta ansioso a prejudica e o alerta espontâneo e receptivo a auxilia.

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  5. Obrigado pela orientação. Abraço!

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  6. Gostaria de perguntar ao dono do blog, se eu posso lhe enviar um relato pessoal resumido, para pedir-lhe um parecer e orientação?

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  7. Sugiro que, ao invés de um relato pessoal, elabore perguntas sobre tais questões pessoais, de modo a explorar os problemas que te preocupam.

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  8. Estou diante da seguinte situação, meu pai morreu assassinado. Minha ex-namorada me abandonou, e ficou com meu melhor amigo para se vingar de mim. E fui demitido de meu emprego. Fiquei durante uns 2 anos e meio, vivendo como um morto vivo. Um verdadeiro inferno. Me isolei de todo mundo, com livros e escritos de autores, mais diversos. Gnosis, psiquiatria, psicologia, filosofia e tenho aplicado os ensinamentos dos mesmos na prática. Entre eles, Jung, Nietzsche, Schopenhauer, Nessahan Alita e etc... Confesso que me senti bastante aliviado de meus conflitos e problemas. Todavia, sinto como se faltasse um rumo em minha vida, uma direção, um norte. Depois da crise, me sinto como um menino abandonado sem saber para onde ir. Gostaria de solicitar ao proprietário do blog, um conselho. Para ser mais específico, como poderia encontrar um rumo em minha vida?

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  9. Difícil responder, hein!!!
    Bem, esses rumos já existem dentro de você, mas estão ocultos, profundos, enterrados. Você tem que se acercar cada vez mais de sua parte superior, de seu Real Ser, que é a sua parte boa.
    Saiba que você, apesar de se considerar um morto vivo, não tem somente maldições e desgraças dentro de si, tem também muitos valores e forças superiores e luminosas. Dentro de você existe a paz, o amor, a felicidade e outros atributos mais. Entretanto, eles estão submersos, subterrâneos, e precisam ser encontrados, acessados.
    As experiências pelas quais você passou perturbaram sua capacidade de discernimento, mas não a destruíram completamente. A mesma pode ser regenerada se você exercitar a compreensão.
    A compreensão é exercitada pela contemplação e observação, as quais são a essência de todo o trabalho de regeneração psíquica. Compreender é a arma.
    O seu Ser é tudo o que você possui de bons, todos esses impulsos superiores, altruístas, de elevação espiritual, busca por compreensão etc.
    O rumo na vida de cada pessoa corresponde a uma missão que ela tem a cumprir. E a missão de cada um se relaciona diretamente com as habilidades naturais e inatas. Quais são suas aptidões e vocações naturais? Elas estão aí, precisam ser descobertas. O que você faz com facilidade? Pegunte-se, reflita e busque.
    Sugiro que aprenda a refletir, que exercite a compreensão em todos os aspectos da vida. Busque ser estritamente compreensivo em tudo, busque a verdade que se esconde por trás das aparências.
    Exercitar a busca pela verdade é exercitar a alma. Exercitar a alma é exercitar a compreensão.
    Todos esses traumas que ficaram por tais situações terríveis pelas quais você passou (e que podem estar relacionadas a um karma de outras existências que agora você parece já ter pago), apresentam conteúdos obscuros, inconscientes, que precisam ser gradativamente compreendidos. São egos, eus, criados em tais situações. Não adianta tentar forçar a compreensão e nem tentar controlar o que se vai compreender. Quem dirige o processo de crescimento interior é o Real Ser, Ele sabe o que você precisa ou não compreender e vai te mostrando à medida que você vai procurando ser cada vez mais sincero e ativo na busca da compreensão. Então os rumos de sua vida vão aparecendo.

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  10. Apesar de ter sofrido horrores, ao ponto de achar que morrer era mais fácil do que viver, não fugi da raia. Aceitei toda a impotência que inspira o ato de digerir estes conteúdos psíquicos. E confesso meu caro, que tenho me tornado mais humanista também. Vendo graça em elementos de minha vida que anteriormente não compreendia o sentido. E tenho encontrado na pratica espiritual, um refúgio contra a imundície da sociedade.

    Então, pude extrair coisas boas apesar das ruins que me ocorreram durante esta crise. O sofrimento vs descobrimento de coisas novas á meu respeito e do mundo. Aceitar a existência da maldade, porém, sem me identificar com ela.

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  11. Esse extrato espiritual das experiências amargas somente foi possível porque há algo superior em você. Do contrário, você teria se perdido definitivamente.

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  12. Então, durante esta crise meu caro, eu coloquei em prática alguns rituais do budismo esotérico Shingon Shu. Comum no Japão. Um deles consiste no kuji-kiri(caminho dos nove cortes, muito comum nas artes marciais japonesas) e o reisui masatsu(tomar duchas geladas de manhã fazendo uso de mudras). Notei que o meu índice de tolerância ao desconforto aumentou, ai foi mais fácil suportar a amargura da crise. Fora outros dons que desenvolvi. E de fato, parece que ás vezes algo superior se manifestava, diante das dores, havia uma parte dentro de mim que doía, e outra que me apresentava insights apresentando o caminho correto á se seguir. Por exemplo: sofria, uma parte dentro de mim apresentava uma solução / insight; "continue, prossiga, desabafe". E eu seguia aquilo.

    E um ponto que vc salientou acima se manifestou em mim. Eu sinto mais vontade de ajudar os outros. Especialmente quando fito o tamanho número de pessoas sofrendo e sem uma saída, neste país atrasado. Tanto que durante a crise, consegui retirar umas 3 pessoas da merda com meus conselhos. Agora estão melhores, assim como eu.

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  13. OLA CONHECI O BLOG AGORA E GOSTARIA DE SABER QUEM É A MÃE DIVINA ?

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  14. Olá

    A Mãe Divina é um aspecto do Espírito Divino do Homem.

    Todo ser humano possui uma parte superior, que é o seu verdadeiro Ser. Este Ser se distribui por várias dimensões em partes autônomas, sendo a Mãe Divina uma delas.

    Em outras palavras: a Mãe Divina é você mesmo, porém em um aspecto tão superior e distante que você ignora. Você vive simultaneamente em vários mundos, mas não sabe disso.

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