segunda-feira, 11 de junho de 2012

Concentração não é contração

Nós, principiantes, temos o mau costume de fazer força para concentrar o pensamento. Achamos que o pensamento será conduzido de forma objetiva somente se realizarmos alguma espécie de esforço. Confundimos concentração com contração muscular.

Esse erro não é algo individual, está enraizado na própria cultura ocidental. Quase todo ocidental relaciona os estados de alerta e concentração com tensões, apreensões e esforços. A crença está enraizada subconscientemente e o resultado é que as pessoas contraem músculos da cabeça, do pescoço, da face e dos olhos quando querem concentrar o pensamento. 

A aprendizagem da correta concentração do pensamento requer que se compreenda com exatidão qualitativa o ato volitivo que resulta em um fluxo mental unidirecional. 

Quem quer concentrar corretamente o pensamento, deve aprender a pensar com leveza no lakshya, sem esforços. Por "pensar com leveza" entenda-se pensar de forma despreocupada, sem esforço algum e sem o receio de perder aqueles pensamentos ou se desviar deles. Ao invés de associar a concentração à tensão e à contração, temos que associá-la ao relaxamento e à descontração. Concentrar a mente não é contrair e sim descontrair mais e mais. Não é possível aprofundar a concentração se não descontrairmos o pensamento.

A descontração deve ser cada vez mais profunda durante a concentração. Os pensamentos sobre o lakshya devem fluir espontaneamente, por si mesmos ou quase por si mesmos, enquanto os contemplamos conscientemente. Como um cavalo conduzido em uma estrada, os pensamentos fluem sozinhos, sem que tenhamos que os ficar provocando em tempo integral. Obviamente, o cavaleiro não tem que ordenar ao cavalo para que dê cada passo, o cavalo toma tal decisão por si mesmo. A função do cavaleiro é tão somente manter-se alerta e puxar as rédeas do cavalo caso ele se desvie do rumo. Temos que transformar o asno teimoso da mente em um cavalo obediente e dinâmico. O asno/cavalo da mente deve dar seus passos, trotes e galopes sem ser obstruído, mas também sem deixar de ser acompanhado conscientemente pelo cavaleiro.

A capacidade da mente fluir já existe de forma prévia em todo ser humano, pois é muito fácil pensar aleatoriamente, em bobagens inúteis, o dia inteiro. O problema é que o fluxo mental, nas pessoas destreinadas, é aleatório e não direcionado. A mente das pessoas é um asno teimoso que insiste em andar pelos seus próprios caminhos inúteis ou então empaca. Temos que traçar um caminho (o lakshya) e conduzir os passos do asno em tal direção. E nada disso requer tensão, conflito ou esforço, no sentido usual desta última palavra. O que se requer é empenho, dedicação e seriedade, o que é diferente.

Quando focalizamos a mente no lakshya, temos que sentir que o estamos fazendo de forma agradável, confortável e leve. Se a leveza e o conforto desaparecem, temos que recuperá-los imediatamente. A perda do conforto é um indicador de que está havendo tensão e a concentração está começando a ser feita de maneira errônea. Na verdade, a concentração mental verdadeira irá se aprofundar somente se a leveza e o conforto se aprofundarem também. Portanto, a concentração é para promover um bem-estar (ananda) e não um mal-estar. Quem fica tenso para se concentrar desenvolve dores de cabeça e frustrações.

Quando, nos devaneios de nossa imaginação mecânica, pensamos despreocupadamente em algo inútil, o fazemos de forma completamente espontânea e livre de tensões. Não há preocupação alguma e o pensamento flui. É com essa mesma leveza que necessitamos pensar no lakshya. 

Se queremos abaixar as ondas cerebrais até theta ou delta, como conseguem os ioguis e monjes do oriente, temos que aprofundar a descontração na concentração e chegar a compreender que ambos são quase uma só coisa. Um dos segredos está em não se preocupar com os possíveis desvios do lakshya. Caso os desvios ocorram, "algo" dentro de nós irá nos alertar. Não nos preocupemos, pois, com esse problema e esqueçamos tudo. A concentração não é possível sem desligamento.

domingo, 3 de junho de 2012

Concentração: descomplicando a prática


Atenção é uma faculdade da essência. Pensamento é uma função da mente. Atenção e pensamento são distintos.

Quem quer separar-se da mente, deve separar-se dos pensamentos. Quem quer separar-se dos pensamentos, deve primeiro ligar-se a um único pensamento, para depois descartá-lo. Ligar-se a um único pensamento é aprender a pensar em uma só coisa e esquecer tudo o mais. 

O pensamento prolongado em algo é a concentração mental ou concentração do pensamento. A atenção prolongada sobre algo é a concentração da atenção. 

A concentração da atenção é simplesmente a contemplação ou observação. Se você observa o comportamento de  um pássaro, está com a atenção focada ou concentrada. 

Quem não sabe concentrar a atenção não pode concentrar o pensamento, pois no pensamento concentrado a atenção contínua está presente. É a atenção que denuncia os desvios do tema. Se o praticante não está atento ao que está pensando, não se dá conta dos desvios e viaja nos sonhos e fantasias subjetivos da mente.

Entretanto, estar atento não é estar preocupado, é simplesmente estar receptivo e consciente.

Pode suceder que, ao prestar atenção, o praticante queira perceber algo mais do que está de fato percebendo e faça imensos esforços (1) para "ver o que ainda não consegue alcançar". O esforço articial para enxergar além das capacidades se transforma na meta e toma o lugar do lakshya, travando o desenvolvimento. Portanto, temos que trabalhar em nossa própria esfera atual de alcance, sem tentar dar pulos forçados.

Ao prestarmos atenção em uma rocha, por exemplo, é sensato enxergar e descobrir ao máximo os seus detalhes, mas não é recomendável tentarmos nos forçar a ver além do que estamos conseguindo no momento. Aquilo que somos capazes de perceber pode ser completamente invisível para quem nunca prestou muita atenção à rocha. Não conseguiremos penetrar nos aspectos supra-sensoriais e invisíveis da rocha por meio do conflito. 

O mesmo princípio da espontaneidade da observação vale para a concentração do pensamento.

Fazer esforços para concentrar o pensamento ocasiona dores de cabeça. Na correta concentração, o pensamento é mantido  no tema de forma natural e espontânea, sem contrações e nem tensões mentais ou físicas.

É comum que uma pessoa bem intencionada, mas ainda não bem preparada, faça esforços adicionais para "concentrar-se mais". Tal erro se deve ao desconhecimento do que é a verdadeira concentração. A pessoa ainda não compreende bem o que é "concentrar-se" e julga que uma concentração intensa resulta de um esforço intenso. Ao começar a concentrar-se, o pobre estudante faz esforços desesperados para aumentar sua concentração e cria conflitos com a mente, ao invés de abandoná-la aos poucos. 

Sempre que alguém estiver pensando conscientemente em algo, estará com o pensamento ali concentrado, ainda que seja por alguns instantes. Se conseguir pensar em algo por 5 segundos, isso significa que ele esteve concentrado corretamente por 5 segundos e que deve aumentar o tempo um pouco mais. Ao invés de fazer esforços para "intensificar a atenção e o pensamento", deve somente empenhar-se em prolongar aquele estado, pensando mais sobre o lakshya. A concentração intensa e profunda é a concentração prolongada, que dura bastante tempo, e não a concentração feita com imensos esforços e tensões mentais. Quem quer intensificar e aprofundar a concentração, deve simplesmente prolongá-la. O aprofundamento e a intensidade resultarão então naturalmente.

A intensa concentração dos mestres é simplesmente uma entrega consciente, jamais um esforço desesperado.

Ao pensar no lakshya, não procure "algo mais" a ser feito e nem esforços adicionais, pois o necessário já está sendo feito: você está pensando no lakshya. Por quanto tempo conseguirá pensar? 

Procure simplesmente pensar no tema (de forma prolongada) e não ir além desse empenho. Não queira ter visões, revelações e outras coisas esplendorosas. Esqueça-as. Elas virão um dia, no seu devido momento. Deixe que venham. Não tente se forçar a isso. Tente apenas prolongar o pensamento pelo máximo de tempo que puder, sem desviá-lo. Ao concentrar-se em uma planta, por exemplo, não se preocupe em ver sua fada, contente-se com o que é capaz de alcançar no momento e vá aprofundando e aperfeiçoando sua prática dia após dia. Um dia a fada aparecerá. 

Na prática espiritual, as tentativas de conseguir algo mais do que estamos conseguindo podem assinalar uma espécie de artificialismo que nos impede de receber e apreciar corretamente a realidade que alcançamos até o momento presente. Uma espécie de cobiça espiritual (um defeito) nos motiva a ansiar pelo futuro ao invés de trabalharmos e contemplarmos o presente. Trata-se do extremo oposto da preguiça: o desejo de avançar rápido demais, por meio de passos maiores que nossas pernas. Se, por um lado, o preguiçoso fica estancado pela inércia, o ansioso ficará estancado por atrapalhar-se em suas próprias complicações. Eis a contradição: quem quer andar rápido demais termina andando tão devagar quanto aquele que não se empenha por preguiça. Aquele que escapar aos dois extremos, praticando bastante e sem desespero, progredirá na maior velocidade que lhe for possível.

Portanto, sejamos simples e ativos, mas esqueçamos o tempo e não nos preocupemos pelo que não conseguimos obter agora. Concentrar a mente é simplesmente pensar em algo por tempo prolongado e mais nada. Concentrar a atenção é observar algo por bastante tempo. Não inventemos artificialismos e nem complicações. Se praticarmos bastante e de forma correta, os horizontes irão se expandir e aprofundar de forma espantosa e rápida.

Os momentos em que estamos trabalhando, caminhando, conversando ou nos divertindo não são momentos para procurarmos o pensamento único. Quem procurar o pensamento único em tais situações irá se acidentar, poderá tropeçar, cair, ser atropelado, ferir-se, bater a cabeça ou cortar-se. Os momentos adequados para buscarmos o pensamento único são aqueles em que estamos quietos, descansando bem posicionados, deitados ou sentados, e não quando estamos nas atividades diárias. Durante a atividade diária, o mais indicado é a concentração da atenção no que estamos fazendo. O concentração no que estamos fazendo é a observação de nós mesmos em atividade, é o agir conscientemente. A auto-observação é uma forma de concentração da atenção.

(1) Uso aqui a palavra "esforço" no sentido de contração e tensão. Não estou me referindo ao simples empenho em se fazer algo várias vezes ao dia ou com certa regra.

PS. Esse mesmo princípio, de ater-se ao que se está percebendo de fato e não ao que poderia ser percebido, vale para as práticas de observação dos detalhes do Ego e de observação da realidade circundante para se discernir em qual universo se está (se no mundo físico ou no mundo astral).
  

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Concentração e compreensão


Quando nos concentramos no lakshya, não o fazemos de forma aleatória e subjetiva, mas buscando a compreensão. 

Ao pensarmos de forma atenta e profunda em algo, sem nos desviarmos, compreenderemos vários aspectos profundos daquilo, aspectos dos quais antes não nos dávamos conta, apesar de até serem óbvios. Uma compreensão crescente e mutável do objeto irá se configurando progressivamente. Seja qual for o seu lakshya, você se concentrará para aprender algo a respeito daquilo e não para cumprir uma mera formalidade. 

Múltiplos aspectos do alvo de nossa concentração penetrarão em nosso campo de consciência. Isso ocorre porque temos uma parte de nós mesmos em contato com a intimidade do objeto, sem que o saibamos. Ainda que não estejamos cientes, nosso Atman tem acesso às profundidades subatômicas, ao passado e ao futuro daquilo em que nos concentramos.

O pensamento não se dissocia da imaginação. Se não possuíssemos imaginação, não seríamos capazes de pensar. O pensamento é uma forma assumida pela imaginação, assim como a memória. "Pensar profundamente em algo" é imaginar seu funcionamento, seus processos intrínsecos, seus detalhes anatômicos, funcionais, evolutivos e involutivos, até onde for possível, até onde alcancemos e sejamos capazes. A imaginação é o meio através do qual compreenderemos o que nos interessa. 

O ideal é que a imaginação consciente nos arrebate, nos arraste completamente, para viajarmos em estado de lucidez. Nesse ínterim, o corpo físico deverá ser esquecido e adormecerá. As coisas do mundo também deverão ser esquecidas. Concentrar-se é dissociar-se de tudo o que não seja o lakshya.  Concentração é esquecimento e desligamento, é entrega (consciente).