segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Aplicando a dualidade aos pensamentos

Para cada fato ao qual damos grande importância há alguns fatos contrários que o anulam. Quando estamos exageradamente preocupados com um problema, outro problema ainda pior ou uma alegria imensamente superior podem torná-lo imediatamente insignificante. Quando estamos envolvidos com alguma modalidade de prazer, outro prazer muito maior ou uma dor exagerada poderão torná-lo sem sentido. Os valores que conferimos são relativos. Algo valerá muito ou pouco de acordo com o referencial adotado. No mundo fenomênico em que vivemos, os objetos, os fatos, as coisas, não possuem valor absoluto. Estamos aprisionados na relatividade.

O mesmo princípio vale para os pensamentos. Todo pensamento corresponde a um valor, traz um valor embutido. Um pensamento insistente relacionado com algum problema sério em que tenhamos nos metido perde seu sentido no momento em que conjeturamos a possibilidade de que um outro problema distinto e ainda pior, e que nada tenha a ver com o primeiro, nos afete. Portanto, o pensamento em um problema é anulado pelo pensamento em outro problema, o que significa que ambos possuem, entre si, uma relação de polaridade: um conduz à compreensão da nulidade e inutilidade do outro. Neutralizar um pensamento mediante o seu oposto é o que se chama de "aplicar a dualidade".

O que é aplicar a dualidade a um pensamento? É encontrar um fato que, ao ser considerado (pensado, conjeturado), torna sem sentido o fato no qual estávamos pensando, esvaziando-o de importância. Todo pensamento, bom ou mal, está em nossa mente por identificação. E se nos identificamos com um pensamento, estão estamos lhe conferindo importância, seja positiva ou negativa. Se fico pensando na discussão hostil que tive com um colega de trabalho, estou conferindo importância a essa discussão. Se fico pensando na mulher nua que vi em algum lugar, estou conferindo-lhe importância. Conferimos importâncias boas ou más aos conteúdos dos nossos pensamentos. Se queremos anulá-los, temos que encontrar os seus contrários.

A maior parte dos pensamentos surgem na mente e nos deixam ao serem simplesmente percebidos. Mas há pensamentos renitentes, teimosos e insistentes como, por exemplo, uma música que fica tocando na cabeça ou um problema que fica martelando. Neste caso, temos que encontrar os fatos opostos que, ao serem levados em consideração (pensados) os inutilizam. Que valor atribuímos à música teimosa que se repete infinitamente? Será um valor positivo (gostamos dela) ou negativo (a detestamos tanto que não a esquecemos)? E o que tornaria aquela música sem importância? Outra música ainda melhor ou uma música tão detestável que a tornaria sem valor algum?

Aplicar a dualidade não significa deixar uma identificação por outra, simplesmente trocando-a. Não é identificar-se com algo novo. É aprender a anular ambas as identificações, uma pela outra. O fato contrário anulante é evocado somente com o intuito de cancelar a identificação com seu contrário e não de gerar uma nova identificação. Caso isso ocorra, temos que apelar para um terceiro que irá anular o segundo. O ideal, no entanto, é evocar o segundo fato sem, entretanto, nos identificarmos com o mesmo. Como previamente estamos em recordação de nós mesmos e não fascinados pelo fato a ser evocado, torna-se mais fácil evitar a identificação.

Esta prática, normalmente, deve ser empregada somente nos pensamentos teimosos, que não nos abandonam mesmo após serem contemplados e insistem em atrapalhar a concentração/meditação.

Buscar a dualidade é uma forma de abandonar os pensamentos intrusos:

“P. – Mestre, quando se está concentrado num Koan, se cruza um pensamento… que é que se vai fazer amanhã, coisas do trabalho. Que se faz com esse pensamento?

V.M. – Não, seguir o Koan, a concentração no Koan. Deixar isso que chegou à mente. Abandoná-lo. Dizer: ‘Veja, eu não estou buscando isto, estou numa concentração’. E abandona isso.

P. – Verbalmente?

V.M. – Não, mentalmente. Abandona-se, despreza-se esse pensamento ou se lhe busca a dualidade. ‘Amanhã tenho que fazer um trabalho’. Qual é a dualidade desse trabalho? Não fazer nada. Essa é a dualidade.

P. – Se buscamos a dualidade, não nos evadimos do Koan?

V.M. – Não, porque se coloca a dualidade, o positivo e o negativo; coloca-se e se segue com sua concentração.” (1)

Buscar a dualidade não é evadir-se do koan, que, no caso acima, é o objeto da concentração. Logo, buscar a dualidade não é evadir-se da concentração.

Buscar o oposto de um pensamento é buscar outro pensamento que o anule. Todo pensamento possui um contrário que o anula, o deixa sem sentido. Quando se alcança encontrar tal oposto, chega-se a uma síntese de ambos e se os descarta. A síntese é a neutralidade, fusão dos opostos. Antes de se chegar à síntese, se está preso à tese ou a antítese. Cada pensamento que tenhamos é uma tese ou antítese, pois é imbuído de valor tendencioso.

A dualidade pode ser aplicada tanto a pensamentos insistentes e teimosos que atrapalham a prática como ao único pensamento que restou após a concentração bem sucedida. A busca do oposto de um pensamento é um meio de esgotá-lo, neutralizá-lo.

Se temos um pensamento luxurioso, qual seria o pensamento contrário que o anularia? Isso pode variar de uma situação para outra, bem como de uma pessoa para outra. O contrário de um pensamento luxurioso pode ser um pensamento de morte, de fealdade ou de doença, entre outros. Se, durante a imaginação morbosa, me recordo que irei envelhecer, adoecer e morrer, tal pensamento poderá inutilizar o pensamento luxurioso. O que importa é encontrar mentalmente um fato que torna o objeto do pensamento sem importância, que altere o seu significado.

"Porque, vejam, para a meditação necessitamos concentrar-nos primeiro, que haja um só pensamento.

Então, de repente lhe aparece outro pensamento… a dualidade. Então se descartam juntos e se entra para a meditação.

Para a dualidade se busca a síntese ou o oposto. A síntese e se descarta. Então, a mente vem a ficar em branco." (1)

Na concentração, começa-se pensando sobre os múltiplos aspectos inerentes e intrínsecos ao objeto de nosso interesse (e não sobre outros elementos que, embora relacionados, não lhes sejam intrínsecos e nem inerentes) e desenvolve-se assim o pensamento único até se chegar a uma síntese de todos os pensamentos sobre o objeto. Penetra-se imaginativamente o objeto em todos os seus aspectos possíveis, até onde se alcance:

"P. – Diz-se que a concentração é fixar a mente num só pensamento. Porém, temos que entender que, por exemplo, vamos concentrar-nos neste aparelho, podem vir distintos pensamentos relacionados com esse aparelho e estaríamos concentrados. Por exemplo, penso: É feito de plástico, serve para gravar, é um aparelho que se compra nas lojas eletrônicas… Tudo isso seria o mesmo? Não é um só pensamento?

V.M. – Sim. Por exemplo, você, para se concentrar, tem que olhar a forma, de que material é feito, para que foi feito, e você vai penetrando dentro desse aparelho, até ver por dentro como é, tudo, para poder chegar a uma síntese, a um só pensamento. Do contrário, a nossa mente então começa a trazer cinqüenta coisas aí, referentes ao mesmo aparelho. Então, tratar de penetrar dentro do próprio aparelho." (1)

Neste caso, os múltiplos pensamentos (forma, do que está feito, para que está feito etc.) sobre o objeto são partes do pensamento único que está se desenvolvendo. Quando se chega à síntese do objeto, atinge-se um pensamento único envolvente (dharana), no qual se está a um passo do estado em que, no Raja Yoga, se diz que foi alcançada a união com o objeto e sua essência foi capturada pela consciência (dhyana). Esta captura da natureza essencial e íntima do objeto segue imediatamente após estado que o V.M.R. descreve como “chegar à síntese”. Para se alcançá-la, há que se aplicar a dualidade ao pensamento síntese que restou (buscar o seu oposto neutralizante), pois este ainda não é a realidade, mas tão somente um pensamento sobre a realidade, ainda que dirigido e concentrado.

Um pensamento luxurioso pode ser anulado pela recordação das consequências negativas da luxúria (ex. doenças venéreas, enfraquecimento do corpo etc.), um pensamento de gula, pela recordação das consequências negativas do ato de gula desejado (ex. obesidade, doenças etc.), um pensamento de ira, pela recordação das consequências negativas do ato correspondente (vingança posterior do inimigo, encrencas com a polícia etc.). É claro que, a cada pensamento específico, há consequências contrárias também específicas.

Assim, se você está identificado com algo, pode anular esta identificação recordando-se de algo que seja o seu contrário, que o esvazie de sentido. O que pode ser considerado o contrário daquilo que está te fascinando? Que fato o tornaria sem sentido algum? Se você está identificado com uma mulher linda, o que tornaria sua beleza totalmente desprovida de sentido?

O que importa é compreender a inutilidade do pensamento ao qual damos tanta importância. E o confronto entre o fato no qual estamos pensando e um fato que o torne nulo é um bom meio de lográ-lo. Deste modo, tomamos consciência da inutilidade do pensamento que estamos alimentando.

Ao aplicar a dualidade, você inutilizará o pensamento correspondente, mas não eliminará o ego que o criou, o qual continuará vivo em sua psique. No entanto, se livrará do mesmo temporariamente, o que significa muito durante a concentração/meditação.

Esta é uma medida paliativa para uma necessidade momentânea e não pode ser confundida com a morte do ego emissor do pensamento. Anular temporariamente um pensamento é muito diferente de eliminar o "eu" que o criou.

Nota:

(1). V.M. Rabolú. A Águia Rebelde. (Cap. IX, “Concentração e Meditação”)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Meditação - recuperando os dispersos percentuais de essência livre

Temos percentuais de essência livre e percentuais de essência engarrafada dentro de cada defeito. No entanto, os percentuais de essência livre não estão despertos, estão adormecidos, acompanhando os percentuais de essência engarrafada. Assim como cada "eu" aprisiona dentro de si frações de essência, o Ego como um todo circunda percentuais de essência não engarrafada e os sujeita ao condicionamento fascinatório. Portanto, o Ego, como um todo, é uma grande garrafa, no sentido de que atrai, envolve e prende a si, por meio da fascinação, percentuais de essência livre.

Cada "eu" é uma pequena garrafa e o Ego, como um todo, é uma grande garrafa. As porções de essência aprisionadas dentro de cada defeito ou "eu" estão em um estado de sonolência profunda. As porções de essência livre, mas fascinadas pelo Ego, estão em estado de distração e preguiça, inativas. Estão distribuídas ao longo das regiões inconscientes da psique, espalhados através dos vários níveis. Os pensamentos são o agente que mantém a essência livre fascinada, inativa, distraída.

A atividade mental é o ponto-chave. Quanto mais se pensa, mais se distrai e se adormece a essência livre. Para ativar os percentuais preguiçosos de essência, o primeiro que se requer é o silêncio mental. A mente ativa distrai a essência. A mente quieta a liberta para trabalhar. Quando os pensamentos se esgotam, o Ego se ausenta. Praticar a concentração é dar um passo rumo ao silêncio mental.

O primeiro impulso do meditador novato, ao dar-se conta da intromissão de um pensamento que lhe perturba a concentração, é tentar silenciá-lo à força, opondo-se e entrando em conflito. É um procedimento equivocado e que não resulta em verdadeiro silêncio.

Um pensamento intruso não se calará pela imposição forçada do silêncio, simplesmente se desviará, indo com sua tagarelice para outro nível da mente e ali prosseguirá atuando, agora sem ser percebido. Logo, é perda de tempo tentar aquietá-lo simplesmente à força, assim de qualquer maneira.

O procedimento que se requer para silenciar um pensamento é a contemplação consciente do mesmo, visando compreendê-lo. A compreensão promove o esgotamento dos pensamentos. Compreender é distinto de entrar em conflito.

A postura correta da consciência é a de não procurar os pensamentos e nem fugir deles, de não provocá-los e nem reprimi-los caso apareçam. É uma postura de neutralidade e imparcialidade, em que não se os valoriza positivamente e nem negativamente. Valorizar positivamente seria gostar dos pensamentos, saboreá-los e se identificar com eles. Valorizar negativamente seria detestá-los, fugir dos mesmos, tentar evitá-los, reprimi-los e criar conflitos.

Quem fica procurando pensamentos à toa, quando eles não estão presentes, os está estimulando. Cogitar um pensamento quando o mesmo não está molestando é iniciá-lo. Embora não seja correto procurar os pensamentos e seja importante reter o objeto de atenção no campo da consciência, necessitamos verificar, com certa frequência, se não há algo de desatento em nós, pois pode-se dar o caso de estarmos divididos. Quando estamos divididos, uma parte de nossa essência livre (que nos confere atenção consciente) permanece focada no objeto, enquanto outras partes ficam distraídas com os pensamentos, em vários níveis. Como queremos atenção integral, envolvimento de todas as partes da consciência, temos que verificar se estamos plenos, se há algo de desatento em nós. A consciência necessita estar plenamente focada no objeto da concentração, se estiver focada parcialmente, a prática não avançará. Os 3% de essência livre (e adormecida) devem se dissociar completamente dos 97% de Ego.

Ao longo dos 49 níveis do subconsciente estão distribuídas as frações do pequeno percentual (3%) de essência livre, que necessitam ser recolhidas e unidas. O Ego as mantém fascinadas e presas (não engarrafadas em sentido literal, pois estamos nos referindo às porções de essência livre, porém adormecida e condicionada pelos eus). Silenciar a mente em todos os 49 níveis do inconsciente significa dissociar a essência dos egos submersos, emancipando-a do efeito fascinatório dos pensamentos nesses níveis. Quando o pensamento se esgota, o ego se ausenta e algo da essência que está dispersa se torna temporariamente independente. Isso é sentido sob a forma de um aumento da sensação de leveza, do bem estar e da lucidez.

Trazer o que está desatento à atenção é acordar o que temos de alma e que está "esparramado" entre os Egos, atraído pelo poder fascinatório da mente. A essência que está ativa, incipientemente acordada, chama a atenção da essência que está livre, porém distraída, adormecida, sonhando com as bobagens, cenas mentais etc. oferecidas pelos Egos.

Quando buscamos nos concentrar, ficar lúcidos, despertos etc. uma parte de nossa essência livre se empenha neste trabalho, enquanto as outras partes da mesma, ainda que estejam livres, gozam com os sonhos e pensamentos. Temos que ser capazes de enxergar o adormecimento destas partes e trazê-las à lucidez, mas sem procurar pensamentos e nem estimulá-los.

Portanto, não são somente os percentuais de essência aprisionados em cada defeito que estão adormecidos. Os percentuais de essência livre também não estão despertos, pois estão sujeitos ao ego e terminam acompanhando os percentuais engarrafados em seus condicionamentos. Como pessoas que acompanham parentes aprisionados, permanecendo ali ao lado dos mesmos e não arredam pé, ao invés de se afastarem para negociar a soltura, os percentuais de essência livre acompanham os percentuais engarrafados em seus sonhos absurdos. Por tal razão, podemos dizer que a essência livre também está, de certa forma e em um certo sentido, engarrafada, pois os vários agregados psíquicos, com suas respectivas frações de essência engarrafada, a circundam e influenciam. Esta influência hipnótica dos múltiplos eus sobre a essência livre atua, também ela, como uma espécie de "garrafa". É desta grande garrafa que temos que retirar a essência durante a meditação e o fazemos à medida que silenciamos os pensamentos. São os pensamentos que distraem a essência com seus poderes hipnóticos. As partes adormecidas da essência (livre) necessitam ser alcançadas pela porção que está empenhada em despertar, para que sofram choques e saiam da preguiça, da inércia dos sonhos, fantasias e distrações.

Somente chegamos até estas partes adormecidas e submersas se o relaxamento e a concentração forem profundos, pois os vários níveis do sub/inconsciente se encontram nas diversas dimensões. Não podemos esgotar os pensamentos submersos se não adentrarmos conscientemente às dimensões ou mundos em que tais pensamentos estão. O processo iniciado aqui tem que se repetir de dimensão em dimensão, até o desprendimento total. Primeiramente ficamos conscientes aqui no mundo físico, nos desprendemos dele e passamos ao astral, prosseguimos aumentando a consciência no mundo astral, nos desprendemos dos pensamentos aí, passamos ao mental, nos desprendemos dos pensamentos ali e, finalmente passamos ao causal, onde não existem mais pensamentos. O processo vai assim se repetindo, desde o mundo físico até às alturas. Quando os 100% da essência livre (não da essência engarrafada) estão unidos, ela pode fazer frente ao poder fascinatório do Ego e escapar completamente à sua influência, porém não de forma definitiva. Irá adquirir plena lucidez e consciência intensa e absolutamente clara.

Ao nos depararmos com cada pensamento no caminho, seja em que mundo ou dimensão estivermos, temos que buscar a compreensão e não o conflito com o mesmo. Compreendemos um pensamento quando o observamos, o estudamos e descobrimos o que contém. A contemplação imparcial e sincera é a chave. Porém, compreender um pensamento não é entreter-se fascinado, é remover o obstáculo que nos impede de ver o objeto que nos interessa.

Enquanto estamos tentando atingir a etapa da concentração (dharana), perseguimos um único pensamento e transcendemos (por meio do pratyhara) todos os demais pensamentos que atrapalhem. Chega um momento, porém, em que este único pensamento é atingido plenamente e, também ele, se converte em obstáculo para o nosso acesso à realidade que nos interessa. Então, em tal etapa, deixamos este pensamento para trás e começamos a meditação (dhyana).

Enquanto o pratyahara está se aprofundando, ainda não se atingiu plenamente dharana. Quando dharana é plenamente atingida, aplica-se um último pratyahara e se descarta o pensamento final. Cai-se então em dhyana.

Na meditação, não corremos atrás do Ego, não perseguimos os pensamentos. Muito pelo contrário: os vamos abandonando.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Criamos os mundos em que vivemos

Toda pessoa vive aprisionada em um mundo que ela mesma criou com seus pensamentos. Este mundo é forjado pela mente, sendo composto pelas concepções, pontos de vista, idiossincrassias e ideologias pessoais. O mundo assim criado se torna um verdadeiro universo, que a segue em vigília e durante o sono. As imagens terão um colorido especial, dados pela frequência dos pensamentos em que a pessoa vive. Quem dissolve o Ego, altera radicalmente este mundo pessoal.

Uma pessoa que odeia forja para si um inferno que a perseguirá onde quer que vá. Enquanto odiar, o inferno do ódio a estará acompanhando e dará às percepções um colorido especial.

O psiquismo humano cria um mundo perceptual circundante, composto pelas emoções e pensamentos correspondentes. Bom e mau, agradável e desagradável, são criações do psiquismo, existem internamente. Dissolver o Ego equivale e alterar o mundo psíquico circundante e acompanhante.

De acordo com nosso estado emocional, podemos viver no céu ou no inferno. As emoções negativas e inferiores nos aprisionam em um inferno sem limites, enquanto as emoções superiores nos permitem viver no paraíso. As vibrações psíquicas nos vinculam a regiões do universo correspondentes. Vibrações inferiores nos vinculam às infra-dimensões, vibrações superiores nos vinculam às dimensões superiores. O homem decide se irá para o inferno ou para o céu. Existem diversos céus, com distintos graus de felicidade, e existem muitos infernos, com variáveis graus de tormento.

É recomendável nos libertarmos ao máximo dos infernos e conquistarmos os céus ainda em vida, antes da desencarnação. Então prosseguiremos em tal estado depois da morte do corpo físico.

Falando particularmente da luxúria, o mesmo princípio vale: a luxúria é algo totalmente mental, interior. O estado luxurioso é um estado de consciência adormecida, alterada e condicionada. O luxurioso vive em uma espécie de paraíso diabólico sensual e erótico, no qual o prazer sexual suplanta todas as percepções e confere um único sentido à vida. O mundo erótico que o luxurioso forja para si não existe, é irreal, mas ele ainda assim o saboreia como se existisse, pois está iludido por suas próprias percepções fantasiosas. Não compreende, o infeliz luxurioso, que o paraíso que criou para si não existe, que é mera ilusão. Somente a compreensão pode dissolver a fantasia da luxúria. Quem quer se libertar do inferno da fornicação e seus defeitos correlacionados, tem que compreender o aspecto ilusório das percepções luxuriosas.

Dissolver a luxúria não é combater a sexualidade física propriamente dita, mas sim os aspectos internos equivocados da sexualidade: as formas mentais, formas de pensamento, formas equivocadas de entender e de enxergar o sexo, percepções enviesadas e subjetivas do corpo e do prazer sexual. Precisamente aí, na concepção de sexo, está o problema e a tal concepção é algo mental, encontra-se na mente. Portanto, dissolver a luxúria é alterar radicalmente um estado psíquico.

De nada adianta tentar acorrentar as ações se os elementos geradores das ações (as emoções e os pensamentos) as estão fomentando a todo instante.

Detalhes: o que são e como identificar

Tenho insistido na necessidade de observar ao invés de reprimir. Afirmei repetidamente que o recalque é inútil e que a Morte se dá por observação, contemplação e oração. Agora vou acrescentar algo mais.
Quando nos observamos, podemos perceber em nós mesmos leves alterações. São leves irritações, leves preocupações, leves temores, leves desejos, leves impulsos, leves reações emocionais às circunstâncias do dia a dia, falas e comentários levemente luxuriosos, levemente invejosos, lembranças levemente prejudiciais, imaginações levemente morbosas etc. Em suma: comportamentos levemente delituosos, cuja gravidade não nos incomoda. Esses comportamentos tênues são os detalhes aos quais se refere o V.M. Rabolú.
Os detalhes não costumam despertar interesse nos aspirantes à Morte porque não representam nenhum perigo imediato e seu caráter delituoso é tênue. Por serem tão leves, muitas vezes acredita-se que os mesmos não são egos. Justamente aí reside o erro.
Qualquer comportamento que ao estudante pareça "levemente egóico" é um detalhe e fornece energia aos egos visíveis e perigosos. O V.M. Samael chamou os detalhes de "facetas".
Se dissolvermos os detalhes, os egos terríveis perderão a força.
O empenho em observar o Ego e orar pela Morte deve ser focado sobre as manifestações diminutas dos defeitos. Todos temos pecados grandes e pequenos. Pomos cuidado nos pecados grandes e perigosos e não damos importância aos pequenos. Ocorre, entretanto, que os pequenos são a sustentação dos grandes.
O Ego possui manifestações grosseiras e sutis. As manifestações grosseiras são facilmente visíveis e reconhecíveis, são os problemas psicológicos de sempre que nos incomodam. As manifestações sutis são os detalhes, traços comportamentais difíceis de enxergar por serem muito pequenas e de difícil reconhecimento. Requerem olho clínico para serem vistos.
Os detalhes normalmente não são vistos simplesmente porque não lhes damos importância. E não lhes damos importância porque acreditamos que não são defeitos, que não apresentam prejuízo algum e que são simples comportamentos aceitáveis que não fazem mal algum a ninguém. Desconhecemos a relação entre tais detalhes e os defeitos grandes e perigosos, motivo pelo qual os negligenciamos.
Quando reitero a necessidade de contemplarmos, de forma desbloqueada, a nós mesmos e orarmos pela morte dos defeitos descobertos, não estou afirmando que devamos fazê-lo sobre os defeitos maiores e mais visíveis. Na verdade, nossa prioridade devem ser os defeitos menores, quase invisíveis ou normalmente invisíveis, que passam a todo momento sem serem percebidos.
Todo o processo de dissolução do Ego se dá a partir da dissolução dos detalhes, que são suas manifestações sutis. Quanto mais sutil, mais difícil de ser enxergada é uma manifestação. Quem quer morrer, não pode reprimir ou resistir às manifestações sutis, muito pelo contrário: deve observá-las com máximo rigor criterioso e imediatamente orar pela dissolução. Se simplesmente detectar um detalhe e em seguida se ocupar em resistir, não irá eliminá-lo. A eliminação requer que se dê espaço para a atuação da Mãe Divina e aquele que recalca está Lhe tirando espaço.
Aquele que recalca um detalhe está tentando eliminá-lo sozinho e cometendo um erro. Quem diz ou pensa "EU eliminarei este defeito" está cometendo um erro, pois o Eu não elimina o Eu. Melhor é dizer "Minha Mãe eliminará este defeito para mim, enquanto o observo e peço por sua morte", e então deixá-La atuar.
Assim, entendamos que a observação desbloqueada procura o sutil, o pequeno, o imperceptível. Quanto mais a exercitamos, mais a desenvolvemos.
Os detalhes aparecem naqueles momentos em que tudo está bem, em que estamos despreocupados e acreditando que não há nenhum problema. Se observamos melhor, veremos muitas manifestações sutis do Ego em plena ação.
Você não será capaz de descobrir seus detalhes se não se relacionar com as pessoas. Os detalhes afloram na vida social. A vida social é necessária para que eles aflorem e sejam vistos. São milhões, mas se processam fora do campo de nossa consciência, a menos que o direcionemos para captá-los.